19 de março de 2011

Patricia Ferraz, a “Dilma” dos “cartórios” de São Paulo



Ailton Fernandes, Especial para o Boletim Eletrônico INR

Patricia Ferraz, Oficial do Registro de Imóveis de Diadema, na Grande São Paulo, é a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da ANOREG-SP (Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo), entidade que conta atualmente com 800 associados dos 1.564 cartórios instalados no Estado. Bacharel em Direito pela USP e mestranda em Direito Constitucional pela PUC-SP, ela é Oficial do Registro de Imóveis de Diadema, na Grande São Paulo (obteve a titularidade no concurso público realizado há oito anos). Antes, foi promotora de Justiça do Ministério Público durante quase 15 anos. Portanto, tem absoluta autoridade e experiência para atuar em uma atividade tradicionalmente dominada pelos homens.

Nesta entrevista exclusiva ao Boletim Eletrônico do INR, ela faz um rápido balanço de sua gestão de pouco mais de três anos (seu mandato foi prorrogado para o final deste ano), destaca o valor e a importância das funções notarial e registral para segurança dos negócios jurídicos e conta como concilia a vida profissional com as atribuições de dona de casa e mãe dos garotos Fernando e Fábio. Além disso, ela não esconde uma ponta de orgulho ao ser lembrada pela passagem do Dia Internacional da Mulher (Dia 8 de março) no ano em que Dilma Rousseff tornou-se a primeira mulher do País a ocupar o cargo de Presidente da República.

Leia os principais trechos da entrevista:

P – O que representa o Dia Internacional da Mulher?

R – É uma data para ser comemorada. As mulheres estão conquistando seu espaço na medida em que vão mostrando habilidades especificas para ocupar determinados espaços. A presidente Dilma Rousseff está à frente do País por seus méritos. Mostrou-se competente e com habilidades para tanto. Não basta reivindicar. Você precisa fazer por merecer. Agora, a despeito das mulheres ocuparem cada vez mais espaço na administração de negócios, no exercício de funções públicas ou privadas de muita importância nem por isso elas têm conseguido compartilhar encargos, como a gestão do lar, educação dos filhos e preservação da família. As mulheres são bombardeadas com uma série de demandas de toda a natureza, têm que contribuir para melhoria do orçamento doméstico sem que tenham a possibilidade de desenvolver o espírito crítico a respeito do tamanho desse orçamento para suprir as necessidades de sua família.

P – Já enfrentou problemas pelo fato de dirigir uma entidade dominada pelos homens?

R – Nunca. Não tenho nenhum episódio para relatar. Na atual diretoria da ANOREG-SP, de mulheres, somos apenas eu e a Dra. Jussara (Jussara Citroni Modaneze, 17ª Tabeliã de Notas de São Paulo), primeira secretária. Todos os demais são homens. Mas nunca tivemos nenhum problema. Muito pelo contrário. Sou super agradecida aos meus colegas, sempre presentes e colaboradores. Depois, nunca me candidatei. Fui escolhida pelos meus pares.

P – Por que a Senhora decidiu trocar o cargo de Promotora da Justiça pelo de Registradora?

R – Eu adorava o cargo de Promotora da Justiça. Mas decidi mudar de ares e, hoje, me realizo como Registradora. Adoro ser registradora. Confesso que quando prestei o concurso, não tinha ideia da complexidade, importância e responsabilidade da função notarial e de registro. É uma honra, um orgulho.

P – Como concilia as atividades profissionais com a gestão do lar, família.

R – É uma loucura. Super puxado. Mas são papéis que todos nós desempenhamos. Neste momento, desempenho vários papéis e faço o que é possível.

P – Sobra tempo para leitura?

R – Tenho cinco livros abertos e leio todos ao mesmo tempo. Por exemplo, “Dondé”, do José Afonso da Silva; “O Mundo é Plano”, do Thomas Friedman; “Adolescentes – Quem ama, educa”, de Içami Tiba, “Principe”, de Maquiavel; e “Inteligência Social”, do mesmo autor de Inteligência Emocional (Daniel Coleman).

P- Pesquisas de opinião pública registraram uma significativa mudança na imagem dos cartórios do Estado de São Paulo.

R – A pesquisa mais recente foi feita pelo Datafolha há mais ou menos um ano em cinco capitais brasileiras, São Paulo inclusive. Entre todas as instituições nacionais, os cartórios estão entre as quatro com maior credibilidade e confiança.

P – Por que a imagem dos cartórios melhorou nos últimos anos?

R – Eu credito essa situação a dois fatores preponderantes: realização de concursos públicos e uma efetiva profissionalização, modernização e aperfeiçoamento da atividade. Na minha perspectiva, essa melhoria deve-se a excelência do trabalho dos colegas. Além disso, as entidades têm sido competentes na divulgação das informações a respeito do sistema. A falta de informação gera preconceito e resistência. Se nós temos coisas espetaculares no sistema, elas precisam ser divulgadas para que o cidadão tenha ciência disso, possa usufruir das ferramentas do sistema e, portanto, dele bem falar.

P – Em sua opinião, o assessoramento jurídico feito pelos tabeliães não deveria ser ampliado?

R – As pessoas não sabem tudo que um tabelião e um registrador podem oferecer, especialmente o primeiro, que é um assessor jurídico qualificado, testado em concurso público e colocado pelo Estado à disposição da população para orientá-la em seus negócios. Não só na compra e venda de imóveis, mas também na constituição de empresas, outorga de poderes, emancipação de filhos, entre tantos outros casos. Além de terem profundo conhecimento sobre Direito Civil, são especialistas em Direito Tributário. Outra coisa: muitas pessoas desconhecem a efetividade das Atas Notariais feitas pelos tabeliães ou das notificações extrajudiciais. Outras não conhecem que o protesto é feito gratuitamente no Estado de São Paulo à custa do devedor; a importância de você registrar os seus compromissos de venda e compra e do quanto isto não representa ônus a mais para aquele que registra. É missão das entidades de classe divulgar todas essas potencialidades do sistema para que a população possa delas se beneficiar e para reduzir um tanto de desinformação e de preconceito que ainda existe.

P – Quais as principais realizações da ANOREG-SP?

R – Muitas coisas positivas foram produzidas nos últimos três anos. Os resultados foram obtidos por um grupo. Não teria alcançado esses resultados caso não tivesse havido a coalizão de interesses, respeito recíproco entre os presidentes das demais entidades e a participação dos colegas de todas as serventias. Por exemplo, as Jornadas Institucionais (2008 e 2009). A primeira edição foi aberta pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal (Ministro Gilmar Mendes). Estamos concluindo o 1º Concurso ANOREG-SP de Monografia e o 1º Prêmio ANOREG-SP de Jornalismo. Agora, muito do nosso trabalho institucional não é visto pela categoria. Por exemplo: no final do ano passado, nós conseguimos que fosse arquivada uma proposta de Emenda Constitucional que determinava a gratuidade do registro e da escritura pública para quem tivesse apenas um imóvel. Seria o colapso do sistema. Embora isso possa parecer evidente, esta proposta estava na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para ser votada com chances de ser aprovada. Foram produzidos estudos técnicos pela Fundação Getúlio Vargas e pela Tendência Consultoria, colhemos pareceres inclusive do professor Celso Antonio Bandeira de Mello para demonstrar, com consistência para o Senado, a falta de fundamento desta proposta em termos técnicos, jurídicos e econômicos.

P – A Doutora está no cargo há três anos e seu mandato foi prorrogado por mais um ano. Tem intenção de pleitear nova reeleição?

R – Não, de jeito nenhum. A função de representação institucional é extremamente desgastante. Para bem representar, você não só tem de estar disponível como também descansado. Exercitar muita paciência, compreensão, ”jogo de cintura”; compor o tempo todo e isso demanda tranquilidade. Então, acho importante que haja revezamento no desempenho da função a cada determinado período. Não acho interessante que as pessoas permaneçam no cargo por muitos anos. É importante que a representação seja institucional e que ela não se personifique

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P – O grande número de entidades não diminui a força dos “cartórios” junto à sociedade?

R – Eu entendo que essa representação fracionada não é o melhor para a Classe. Acho que este modelo não atende o interesse dos associados. Enfraquece e encarece. No Estado de São Paulo, nós temos sete entidades: Anoreg, Sinoreg e mais cinco entidades técnicas: Arisp, Colégio Notarial, Arpen, IRTDPJ e Instituto de Protesto. Todas são muito boas na defesa dos aspectos técnicos dos seus associados. Mas é importante que se reconheça que existe uma sobreposição de gastos transferidos para os associados. Por exemplo: número de auditórios que eles têm à sua disposição. Isso custa, gera ônus maior para os associados. O ideal é que houvesse uma entidade congregando todas, com diretorias com independência técnica para solução dos assuntos peculiares a cada uma das especialidades e que isso pudesse ser feito para otimizar os recursos dos associados. Com isso, a representatividade seria maior, mais forte e com custo menor para tabeliães e registradores.

Fonte: Boletim Eletrônico INR nº 4480 – Entrevista
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