26 de março de 2021

Jurisprudência – Informativo nº 0684 de 5 de fevereiro de 2021

1 – Processo: Pet 12.344-DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 13/11/2020 (Tema 126)

Ramo do Direito: DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema: Desapropriação. Juros compensatórios. MP n. 1.577/1997. Tema Repetitivo n. 126/STJ. Revisão. Súmula 408/STJ. Cancelamento.

Destaque:Tese repetitiva revisada: A tese firmada no Tema Repetitivo n. 126/STJ passa a ter o seguinte teor: “O índice de juros compensatórios na desapropriação direta ou indireta é de 12% até 11/06/1997, data anterior à vigência da MP 1577/97.”.

Súmula cancelada: A Súmula 408/STJ, com igual redação da tese 126/STJ original, resta cancelada.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de proposta de revisão de tese repetitiva e enunciado de súmula sobre juros compensatórios em ações expropriatórias.

Verificado o julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2332, foi proposta a afetação da matéria, a fim de se evitar contradições sistêmicas no ordenamento, que foi acolhida pela Primeira Seção do STJ.

A tese firmada originalmente no Tema Repetitivo n. 126 e na Súmula 408/STJ tem igual redação: “Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal”.

Aqui, efetivamente, verifica-se que a Corte avançou sobre o que não lhe competia na medida em que, sob a compreensão atual deste Tribunal, tal feito nem sequer comportaria conhecimento, ante a ausência, nos precedentes que lhe deram origem, de indicação do dispositivo de lei federal submetido a interpretação divergente entre tribunais.

O contexto é revelador das consequências: admitiu-se nesta Corte (como era permitido pela jurisprudência à época) recurso que cuidava de matéria efetivamente constitucional, porquanto ausente dispositivo infraconstitucional com comando normativo apto a sustentar a tese da recorrente.

Apenas havia a divergência, plausivelmente decorrente da alteração normativa oriunda, primeiro, da MP e​,​ depois, da cautelar deferida na ADI 2332/DF. Note-se que, antes da MP, os juros de 12% emergiram de construção jurisprudencial, com histórico iniciado em 1963, em alusão às normas do Código Civil de então (Súmula 164/STF); em 1984, consolidou-se o dobro do parâmetro, à luz da Lei de Usura e da crise inflacionária da época (Súmula 618/STF).

Pode o STJ afirmar que os juros incidem aos fatos conforme a norma então vigente, embora o Supremo tenha dito que a norma é inconstitucional ab initio? Poderia o STJ ter dito o que fosse sobre, a rigor, a modulação de efeitos da cautelar, restringindo-a tão somente aos fatos havidos após sua publicação ou, de outro modo, expandindo-a para momento anterior? Qual a interpretação adequada do efeito ex nunc da decisão cautelar do Supremo: incidir sobre todos os feitos pendentes ou o marco temporal a se adotar seria a imissão de posse? É essa interpretação de ordem constitucional ou legal? É desta Corte a competência para definir se o julgado de mérito do STF aplica-se, agora, imediatamente aos casos transitados, mas ainda sem expedição de precatório?

Entende-se que o art. 11 da Lei da ADI (Lei n. 9.868/1999) apenas aduz um efeito da decisão. Entretanto, o referido normativo se dirige à Corte Suprema, autorizando-a a exercer tal poder e dispondo sobre suas consequências. Não parece adequado que o STJ se imiscua na interpretação do decidido pelo Supremo a ponto de conferir ou afastar, indiretamente, efeito modulado às emanações jurisdicionais daquela Corte.

Ainda que a pretexto de análise da Lei da ADI, cumpre à Corte Suprema dispor sobre seus julgados e às demais instâncias observá-los, existindo ampla previsão de medidas para suprimir disparidades: reclamação, ação rescisória, embargos à execução, além do próprio extraordinário.

Descabe ao STJ dispor sobre a matéria com a extensão decidida nos repetitivos em comento, ainda mais de forma condicionada à decisão cautelar do Supremo. O problema foi agravado com a redação das teses alcançada pela unidade administrativa, como apontado, e pela Súmula 408/STJ.

Esta Corte quis resolver a lacuna da forma como dispunha, sem se submeter a eventual postergação de sua solução pelo Supremo, de modo a não deixar a sociedade insegura e o jurisdicionado sem tutela, acumulando recursos especiais inconclusos ou motivados pelo provimento do Tribunal Constitucional. Entretanto, a dinâmica que se seguiu denota a frustração ao menos parcial desse objetivo, em particular pela somatória do resultado de mérito da ADI com a possibilidade de rescisória da coisa julgada inconstitucional com termo inicial no julgamento concentrado (art. 525, §15, do CPC/2015).

Com isso, propõe-se revisar a tese firmada no Tema Repetitivo n. 126/STJ para passar a ter o seguinte teor: “O índice de juros compensatórios na desapropriação direta ou indireta é de 12% até 11.6.97, data anterior à vigência da MP 1577/97”.

No que se refere à Súmula 408/STJ, verifica-se que, à época do julgado, buscava esta Corte sistematizar em enunciados sumulares a compreensão vinculante extraída de recursos repetitivos.

Atualmente, ao constar expressamente as teses nos acórdãos, por força legal (CPC/2015, arts. 979, 984, 1.037 e 1.038) e regimental (RISTJ, art. 104-A), dispensa-se a providência que, de resto, presta-se apenas a aumentar a complexidade normativa, sem efeitos práticos ante o caráter vinculante dos próprios precedentes qualificados. Os julgados repetitivos, como sabido, visam a simplificar a prestação jurisdicional, pretensão normativa prejudicada pela despicienda convivência das teses e súmulas sobre uma mesma questão. Assim, o referido enunciado resta cancelado.

2 – ProcessoPet 12.344-DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 13/11/2020 (Temas 280281, 282 e 283)

Ramo do Direito: DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema: Desapropriação. Juros compensatórios. MP n. 1901-30/1999. Imóveis improdutivos. Tema Repetitivo n. 280/STJ. Revisão de tese. Propriedade impassível de qualquer espécie de exploração econômica. Tema Repetitivo n. 281/STJ. Revisão de tese. Perda da renda. Prova pelo expropriado. MP n. 2027-38/2000. Índice de produtividade zero. Tema Repetitivo n. 282/STJ. Revisão de tese. Tema Repetitivo n. 283/STJ. Cancelamento.

Destaque: I) Tese revisada no Tema Repetitivo n. 280/STJ: “Até 26/9/1999, data anterior à edição da MP n. 1901-30/1999, são devidos juros compensatórios nas desapropriações de imóveis improdutivos”.

II)Tese revisada no Tema Repetitivo n. 281/STJ: “Mesmo antes da MP n. 1901-30/1999, são indevidos juros compensatórios quando a propriedade se mostrar impassível de qualquer espécie de exploração econômica atual ou futura, em decorrência de limitações legais ou fáticas”.

III) Tese revisada no Tema Repetitivo n. 282/STJ: “i) A partir de 27/9/1999, data de edição da MP n. 1901-30/1999, exige-se a prova pelo expropriado da efetiva perda de renda para incidência de juros compensatórios (art. 15-A, § 1º, do Decreto-Lei n. 3365/1941); e ii) Desde 5/5/2000, data de edição da MP 2027-38/2000, veda-se a incidência dos juros compensatórios em imóveis com índice de produtividade zero (art. 15-A, § 2º, do Decreto-Lei n. 3365/1941)”.

IV) Cancelamento do Tema Repetitivo n. 283/STJ.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de proposta de revisão das teses repetitivas sobre juros compensatórios em ações expropriatórias.

Verificado o julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2332, foi proposta a afetação da matéria, a fim de se evitar contradições sistêmicas no ordenamento, que foi acolhida pela Primeira Seção do STJ.

No ponto, trata-se da análise das seguintes Teses: i) 280/STJ: “A eventual improdutividade do imóvel não afasta o direito aos juros compensatórios, pois esses restituem não só o que o expropriado deixou de ganhar com a perda antecipada, mas também a expectativa de renda, considerando a possibilidade do imóvel ser aproveitado a qualquer momento de forma racional e adequada, ou até ser vendido com o recebimento do seu valor à vista.”; ii) 281/STJ: “São indevidos juros compensatórios quando a propriedade se mostrar impassível de qualquer espécie de exploração econômica seja atual ou futura, em decorrência de limitações legais ou da situação geográfica ou topográfica do local onde se situa a propriedade.”; iii) 282/STJ: “Para aferir a incidência dos juros compensatórios em imóvel improdutivo, deve ser observado o princípio do tempus regit actum, assim como acontece na fixação do percentual desses juros. As restrições contidas nos §§ 1º e 2º do art. 15-A, inseridas pelas MPs n. 1.901-30/1999 e 2.027-38/2000 e reedições, as quais vedam a incidência de juros compensatórios em propriedade improdutiva, serão aplicáveis, tão somente, às situações ocorridas após a sua vigência.”; e iv) 283/STJ: “Para aferir a incidência dos juros compensatórios em imóvel improdutivo, deve ser observado o princípio do tempus regit actum, assim como acontece na fixação do percentual desses juros. Publicada a medida liminar concedida na ADI 2.332/DF (DJU de 13/09/2001), deve ser suspensa a aplicabilidade dos §§ 1º e 2º do artigo 15-A do Decreto-lei n. 3.365/1941 até que haja o julgamento de mérito da demanda”.

Da análise do REsp 1.116.364/PI, verifica-se equívoco quanto à interpretação pela unidade administrativa do que realmente decidido em sede repetitiva.

Portanto, as teses, na forma como redigidas pela unidade administrativa, de um lado, retratam apenas parte do entendimento desta Corte em sede repetitiva, tendo sido suprimida daquelas a condicionalidade ao julgamento de mérito na ADI. De outro lado, ao segmentar o julgado em teses diversas, limitou-se a redação administrativa a indicar a interpretação consolidada sobre o ordenamento anterior à alteração legislativa, como se autônomo das demais condicionantes.

Isto é: afirmou o STJ que sua jurisprudência impunha (já antes da MP) a incidência de juros compensatórios aos imóveis improdutivos, exceto se absolutamente inviável a exploração econômica, o que deveria prevalecer até a edição da MP, e na vigência da cautelar, desde que confirmada pelo Supremo por ocasião do juízo de mérito. Afastada a condição, com a não confirmação da cautelar, resta inevitável reconhecer que as teses devem ser adequadas; não tendo se implementado a condição, torna-se insubsistente a tese que a ela submetia o afastamento do percentual de 12% dos juros compensatórios.

As consequências do julgamento do Supremo devem ser a ele submetidas. Assim, a manutenção da Tese 283/STJ resultaria em indevida modulação, por este Tribunal, em sede vinculante, da decisão de mérito do STF na ADI 2332. Restará violada a competência daquela Corte caso o STJ mantenha a tese vinculante delimitando a hiperatividade da cautelar após o juízo de mérito não modulado da ADI.

Com isso, entende-se pela revisão das teses firmadas nos Temas Repetitivos do STJ n. 280, 281 e 283, e, por seu turno, o cancelamento do Tema Repetitivo n. 283/STJ.

3 – ProcessoPet 12.344-DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 13/11/2020 (Tema 1.072)

Ramo do Direito: DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema: Desapropriação. Juros compensatórios. Percentual. Momento de incidência.

Destaque: Nova tese repetitiva afirmada: Os juros compensatórios observam o percentual vigente no momento de sua incidência.

Informações do Inteiro Teor

À luz dos recursos especiais ainda hoje providos no STJ sobre o ponto, resta polêmica nos tribunais ordinários quanto ao marco fático a que se refere a tese da regência temporal dos juros, se a data de imissão na posse ou o momento de sua incidência. Embora tenha constado no repetitivo claramente tratar-se da segunda hipótese, houve certa falta de clareza na redação administrativa da tese. A ementa, entretanto, é, como a jurisprudência deste Colegiado, inequívoca, de modo que se propõe a edição de nova tese retratando-as adequadamente. Na verdade, a rigor, essa é a ratio que subjazia à Tese 283, muito embora a unidade administrativa não a tenha captado, preferindo dispor como vinculante as consequências condicionais e casuísticas da regra jurídica emanada do acórdão.

Assim, evidencia-se a interpretação constante dos repetitivos no sentido de que o fato regido pelo tempo da norma não é a imissão de posse, mas sim a incidência dos juros.

4 – Processo: Pet 12.344-DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 13/11/2020 (Tema 1.073)

Ramo do Direito: DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema: Desapropriação. Juros compensatórios e moratórios. Súmulas 12, 70 e 102/STJ. MP 1.997-34. Limite temporal.

Destaque: Nova tese repetitiva afirmada: As Súmulas n. 12, 70 e 102 (As Súmulas 12/STJ: “Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios”, 70/STJ: “Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença” e 102/STJ: “A incidência dos juros moratórios sobre compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”) somente se aplicam às situações ocorridas até 12/01/2000, data anterior à vigência da MP 1.997-34.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de proposta de revisão das teses repetitivas e enunciados de súmula sobre juros compensatórios e juros moratórios em ações expropriatórias.

Verificado o julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2332, foi proposta a afetação da matéria, a fim de se evitar contradições sistêmicas no ordenamento, que foi acolhida pela Primeira Seção.

É de todos sabido a tendência desta Corte de manter inalterados os seus enunciados sumulares, em razão de sua eficácia temporal para feitos à época de sua vigência, bem como para se evitar o prejuízo a sua referenciação. Porém, é relevante esclarecer a comunidade jurídica também quanto a suas limitações temporais, de modo a que não se pretenda, como não raro ocorre, reanimar discussões obsoletas, firmadas sobre normas e leis há muito decaídas.

No ponto, propõe-se a edição de nova tese, mas que a rigor em nada inova. Trata-se quase de providência administrativa. Exsurge o problema da época em que as teses relativas aos recursos repetitivos eram elaboradas administrativamente, após o julgamento.

Com o julgamento do REsp 1.118.103/SP, a unidade administrativa entendeu, por ocasião da sistematização dos repetitivos, resumir os efeitos vinculantes às Teses 210/STJ: “O termo inicial dos juros moratórios em desapropriações é o dia 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito.” e 211/STJ: “Os juros compensatórios, em desapropriação, somente incidem até a data da expedição do precatório original (…), não havendo hipótese de cumulação de juros moratórios com juros compensatórios.”; as reticências são da redação da tese, embora não se trate de transcrição de qualquer elemento do voto ou acórdão.

Sugere-se, portanto, que sejam mantidas inalteradas as súmulas, porquanto referencial válido da jurisprudência à época aplicável, mas que se edite nova tese fundada no julgamento do REsp 1.118.103/SP, já realizado em regime repetitivo, para afirmar que as Súmulas n. 12, 70 e 102 (As Súmulas 12/STJ: “Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios”, 70/STJ: “Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença” e 102/STJ: “A incidência dos juros moratórios sobre compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”) somente se aplicam às situações ocorridas até 12/01/2000, data anterior à vigência da MP 1.997-34.

5 –Processo: Pet 12.344-DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 13/11/2020 (Tema 1.071)

Ramo do Direito: DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema: Desapropriação. ADI 2332/DF. Medida cautelar ou julgamento de mérito. Eficácia. Revisão em recurso especial. Impossibilidade.

Destaque: Nova tese repetitiva afirmada: A discussão acerca da eficácia e efeitos da medida cautelar ou do julgamento de mérito da ADI 2332 não comporta revisão em recurso especial.

Informações do Inteiro Teor

Descabe recurso especial para discussão acerca dos efeitos do julgado do Supremo. Veda-se, assim, qualquer tentativa de provocar transversalmente o STJ a abordar o teor ou efeitos da matéria constitucional apreciada pela Corte competente, bem como os limites de seu julgado.

6 – Processo: REsp 1.842.911-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/12/2020, DJe 17/12/2020 (Tema 1051)

Ramo do Direito: DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

Tema: Recuperação judicial. Crédito. Existência. Sujeição aos efeitos do processo de soerguimento. Art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005. Data do fato gerador. Tema 1051.

Destaque: Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.

Informações do Inteiro Teor

A questão controvertida consiste em definir, a partir da interpretação do artigo 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, se a existência do crédito é determinada pela data de seu fato gerador ou pelo trânsito em julgado da sentença que o reconhece.

Conforme se percebe da leitura do referido artigo, nem todos os credores estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial, mas somente aqueles titulares de créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, e que não foram excepcionados pelo artigo 49, §§ 3º e 4º, da Lei n. 11.101/2005. Além disso, os créditos de natureza fiscal estão excluídos da recuperação judicial (art. 6º, § 7º, da Lei n. 11.101/2005).

Diante dessa opção do legislador de excluir determinados credores da recuperação judicial, mostra-se imprescindível identificar o que deve ser considerado como crédito existente na data do pedido ainda que não vencido. A matéria ganha especial dificuldade no que respeita aos créditos que dependem de liquidação.

Os créditos ilíquidos decorrentes de responsabilidade civil, das relações de trabalho e de prestação de serviços, entre outros, dão ensejo a duas interpretações quanto ao momento de sua existência, que podem ser assim resumidas: (i) a existência do crédito depende de provimento judicial que o declare (com trânsito em julgado) e (ii) a constituição do crédito ocorre no momento do fato gerador, pressupondo a existência de um vínculo jurídico entre as partes, o qual não depende de decisão judicial que o declare.

A primeira corrente interpretativa parte do pressuposto de que somente nas situações em que a obrigação é descumprida, sendo necessária a intervenção do Poder Judiciário para que a prestação seja satisfeita, é que se poderia falar em existência do crédito. No entanto, o crédito pode ser satisfeito espontaneamente, a partir da quantificação acordada pelas partes, extinguindo-se a obrigação.

Disso decorre que a existência do crédito não depende de declaração judicial. Na verdade, confunde-se o conceito de obrigação e de responsabilidade.

A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se estabelece entre o devedor e credor, o liame entre as partes, pois é com base nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir a prestação (direito de crédito). Assim, a prestação do trabalho, na relação trabalhista, faz surgir o direito ao crédito; na relação de prestação de serviços, a realização do serviço.

Na responsabilidade civil contratual, o vínculo jurídico precede a ocorrência do ilícito que faz surgir o dever de indenizar. Na responsabilidade jurídica extracontratual, o liame entre as partes se estabelece concomitantemente com a ocorrência do evento danoso. De todo modo, ocorrido o ato lesivo, surge o direito ao crédito relativo à reparação dos danos causados.

Ou seja, os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles decorrentes da atividade do empresário antes do pedido de recuperação, isto é, de fatos praticados ou de negócios celebrados pelo devedor em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, excetuados aqueles expressamente apontados na lei de regência.

Nessa linha, foi editado o Enunciado n. 100 da III Jornada de Direito Comercial, que tem o seguinte teor: “Consideram-se sujeitos à recuperação judicial, na forma do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, os créditos decorrentes de fatos geradores anteriores ao pedido de recuperação, independentemente da data de eventual acordo, sentença ou trânsito em julgado.”

Em resumo, ocorrido o fato gerador, surge o direito de crédito, sendo o adimplemento e a responsabilidade elementos subsequentes, não interferindo na sua constituição.

Diante disso, conclui-se que a submissão do crédito aos efeitos da recuperação judicial não depende de sentença que o declare ou o quantifique, menos ainda de seu trânsito em julgado, bastando a ocorrência do fato gerador, conforme defende a segunda corrente interpretativa mencionada e o entendimento adotado pela iterativa jurisprudência desta Corte.

7 – Processo: REsp 1.717.213-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 03/12/2020, DJe 10/12/2020 (Tema 1022)

Ramo do Direito: DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

Tema: Recuperação judicial e falência. Decisões interlocutórias. Hipóteses de cabimento do agravo de instrumento previstas na Lei n. 11.101/2005. Risco de lesão grave e de difícil reparação exigidos pelo CPC/1973. Ressignificação do cabimento à luz do CPC/2015. Natureza jurídica do processo recuperacional. Liquidação e execução negocial. Natureza jurídica do processo falimentar. Liquidação e execução coletiva. Aplicabilidade da regra do Art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015. Cabimento de agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos recuperacionais e falimentares. Modulação de efeitos. Segurança jurídica e proteção da confiança. Tema 1022.

Destaque: Cabe agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias proferidas no processo de recuperação judicial e no processo de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015.

Informações do Inteiro Teor

No regime recursal adotado pelo CPC/2015, há dois diferentes modelos de recorribilidade das decisões interlocutórias: (i) para as decisões proferidas na fase de conhecimento, será cabível o agravo de instrumento nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015, observado, ainda, o abrandamento da taxatividade desse rol em razão da tese fixada por ocasião do julgamento do Tema Repetitivo 988 (tese da taxatividade mitigada); (ii) para as decisões proferidas nas fases de liquidação e cumprimento da sentença, no processo executivo e na ação de inventário, será cabível o agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias, por força do art. 1.015, parágrafo único.

O regime recursal diferenciado para as decisões interlocutórias proferidas nas fases de liquidação e cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário se justifica pela impossibilidade de rediscussão posterior da questão objeto da interlocutória, na medida em que nem sempre haverá apelação nessas espécies de fases procedimentais e processos, inviabilizando a incidência da regra do art. 1.009, §1º, do CPC/2015 e também pela altíssima invasividade e gravidade das decisões interlocutórias proferidas nessas espécies de fases procedimentais e processos, uma vez que, em regra, serão praticados inúmeros e sucessivos atos judiciais de índole satisfativa (pagamento, penhora, expropriação e alienação de bens, etc.) que se revelam claramente incompatíveis com a recorribilidade apenas diferida das decisões interlocutórias.

Conquanto a Lei n. 11.101/2005 preveja o cabimento do agravo de instrumento em específicas hipóteses, como, por exemplo, o art. 17, caput, art. 59, §2º e art. 100, não se pode olvidar que, por ocasião da edição da referida lei, vigorava no Brasil o CPC/1973, cujo sistema recursal, no que tange às decisões interlocutórias, era diametralmente oposto ao regime recursal instituído pelo CPC/2015, de modo que a escolha, pelo legislador, de apenas algumas específicas hipóteses de recorribilidade imediata das interlocutórias proferidas nos processos recuperacionais e falimentares deve ser interpretada como o reconhecimento de que, naquelas hipóteses, estava presumidamente presente o risco de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, requisito exigido pelo art. 522, caput, do CPC/1973.

Ao se reinterpretar a questão relacionada à recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas nos processos recuperacionais e falimentares à luz do regime instituído pelo CPC/2015, conclui-se que, tendo o processo recuperacional a natureza jurídica de liquidação e de execução negocial das dívidas da pessoa jurídica em recuperação e tendo o processo falimentar a natureza jurídica de liquidação e de execução coletiva das dívidas da pessoa jurídica falida, a esses processos deve ser aplicada a regra do art. 1.015, parágrafo único, do novo CPC.

Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: Cabe agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias proferidas no processo de recuperação judicial e no processo de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015.

Para propiciar segurança jurídica e proteger as partes que, confiando na irrecorribilidade das decisões interlocutórias fora das hipóteses de cabimento previstas na Lei n. 11.101/2005, não interpuseram agravo de instrumento com base no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, faz-se necessário estabelecer que: (i) as decisões interlocutórias que não foram objeto de recurso de agravo de instrumento poderão ser objeto de impugnação pela parte em eventual e hipotética apelação ou em contrarrazões, como autoriza o art. 1.009, §1º, do CPC/2015, se entender a parte que ainda será útil o enfrentamento da questão incidente objeto da decisão interlocutória naquele momento processual; (ii) que a presente tese jurídica vinculante deverá ser aplicada a todas as decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão que fixou a tese e a todos os agravos de instrumento interpostos antes da fixação da tese e que ainda se encontrem pendentes de julgamento ao tempo da publicação deste acórdão, excluindo-se aqueles que não foram conhecidos por decisão judicial transitada em julgado.