23 de abril de 2007

Jurisprudência – Superior Tribunal de Justiça

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM A
ANUÊNCIA DA ESPOSA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE.

 1. O fiador responderá pelos encargos decorrentes do contrato de locação tão-somente pelo período inicialmente determinado, ainda que exista cláusula estendendo a sua obrigação até a entrega das chaves. Precedentes do STJ.

2. O contrato acessório de fiança obedece à forma escrita, é consensual, deve ser interpretado restritivamente e no sentido mais favorável ao fiador. Assim, a prorrogação por tempo indeterminado do contrato de locação, compulsória ou voluntária, desobriga o fiador que a ela não anuiu. Precedentes.

 2. No presente caso, a fiança prestada pelo marido no aditamento do contrato ocorrida em 01/09/1999, sem a necessária outorga uxória, não tem o condão de convalidar o contrato originário, isso porque não se admite que qualquer dos cônjuges preste fiança sem a autorização do outro. Precedentes. 3. Recurso conhecido e provido. (STJ – REsp nº 860.795 – RJ – 5ª Turma – Rel. Min. Laurita Vaz – DJ 30.10.2006)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra.

Ministra Relatora.

SUSTENTOU ORALMENTE: DR. ARISTÓTELES ATHENIENSE (P/ RECTES)
Brasília (DF), 05 de setembro de 2006 (Data do Julgamento)
MINISTRA LAURITA VAZ – Relatora.
RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de recurso especial interposto por CARLOS HEITOR MIRANDA DE FARIA E CÔNJUGE com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ementado nos seguintes termos, in verbis:
"Apelação – Embargos à execução por título extrajudicial – Contrato de locação inadimplido pela locatária – Execução dos fiadores – Redução do valor locatício que não tem o condão de caracterizar uma novação – Inocorrência de excesso de execução – Improcedência dos embargos – Desprovimento do recurso." (fl. 16)
Requerem os Recorrentes, preliminarmente, a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial; no mérito, sustentam a negativa de vigência aos arts. 145, inciso IV, 235, inciso III e 1.483, todos do Código Civil e ao art. 618 do Código de Processo Civil, argumentando, em síntese, que não podem ser responsabilizados por obrigações advindas após a data contratualmente fixada.
Sustentam, ainda, que não podem responder pela prorrogação contratual realizada sem a outorga uxória.
Contra-razões às fls. (75/88), o recurso não foi admitido na origem, convertido os autos por força de agravo de instrumento.
É o relatório.

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
De início, cumpre esclarecer que, nos termos do entendimento firmado por esta Corte Superior de Justiça, a via adequada para a concessão de efeito suspensivo a recurso especial é a da medida cautelar, sendo inviável tal pretensão por meio de agravo de instrumento de decisão denegatória do apelo nobre.
Por oportuno:
"PROCESSUAL CIVIL. EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL. EXCEPCIONALIDADE. VIA ADEQUADA. MEDIDA CAUTELAR. ART. 2º-B DA LEI Nº 9.494/97. TEMA NÃO VENTILADO NA INSTÂNCIA A QUO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA COM BASE NO ART. 4º DA LEI Nº 8.437/92. IMPOSSIBILIDADE FACE A INEXISTÊNCIA DE LIMINAR. RECURSO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO. I – O recurso especial, nos termos do art. 542, § 2º do Código de Processo Civil, deve ser recebido tão somente no efeito devolutivo. O Superior Tribunal de Justiça tem deferido o efeito almejado, em sede de recurso especial, desde que requerido pela via adequada, ou seja, através de Medida Cautelar devidamente fundamentada e somente em casos excepcionalíssimos o que, in casu, não se vislumbra tal ocorrência. II – Não
há que se falar em prequestionamento quando a matéria objeto da discussão na instância a quo tratou de tema diverso do constante no recurso especial. Aplicável, à espécie, as Súmulas 282 e 356/STF. III – Nos termos do art. 4º da Lei nº 8.437/92, o pressuposto básico exigido pela norma, para que seja suspensa a decisão, é a existência de liminar. A norma inserta no dispositivo não comporta interpretação extensiva ao ponto de se considerar comando liminar um decisório que determina a execução provisória de sentença. IV – Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, desprovido." (REsp 695.019/MS, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 23/05/2005.)

Superada a preliminar, passo à análise do mérito.

Primeiramente, cumpre esclarecer que foi celebrado contrato de locação pelo prazo de 24 meses, com início em 01/06/1997, tendo como fiadores Carlos Heitor Miranda de Faria e sua esposa Lúcia Macedo Costa, ora Recorrentes; após o término do prazo contratual, em 01/06/1999, foi realizado aditamento, todavia, sem a outorga uxória.

Diante desse contexto, o Tribunal a quo entendeu que o aditamento do contrato realizado sem a outorga uxória da esposa não implicou a exoneração da responsabilidade dos fiadores até a entrega definitiva das chaves, em razão de cláusula contratual anteriormente firmada pelos cônjuges. A propósito, colhe-se o seguinte do aresto recorrido, in verbis:

"Baseiam-se, os embargantes, no documento de fl. 31, datado de 01/09/99, relativo, a um aditamento à cláusula 4ª do contrato de locação (fl. 18), no qual foi reduzido o valor do alugue mensal, temporariamente, pelo prazo de 6 meses, para R$2.722,58. Tal documento não foi assinado pela esposa do fiador.
Pretendem, os embargantes, ora apelantes, baseando-se na mencionada omissão do referido documento de fl. 31, considerarem nulo o título objeto da execução a que se respondem.

Acontece que o título executivo é o contrato de locação de fls. 17/23, a que anuíram os fiadores – apelantes "até a quitação final e entrega das chaves " (fl. 22). Tal contrato não foi revogado pelo aditamento de fl. 31, conforme se vê dos seus termos." (fl. 18; sem grifo no original) Ora, o acórdão recorrido está em dissonância com o entendimento consolidado deste Tribunal, no sentido de que a fixação do termo da fiança na entrega definitiva das chaves, traduz-se na
tentativa de impelir os fiadores, que assentiram a um contrato determinado, a se responsabilizarem pela obrigação pelo tempo que convier ao locador e ao locatário, ou seja, por prazo indeterminado, o que não se admite.

Ocorre que o contrato acessório de fiança obedece à forma escrita, é consensual e deve ser interpretado restritivamente, no sentido mais favorável ao fiador. Desse modo, a prorrogação do contrato de locação por tempo indeterminado, compulsória ou voluntariamente, desobriga o fiador ue a ela não anuiu.
Nesse sentido:

“ AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO. EXONERAÇÃO DO FIADOR QUE NÃO ANUIU AO CONTRATO. SÚMULA N.º 214/STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. REEXAME DE PROVA. DESNECESSIDADE.

1. O fiador responderá pelos encargos decorrentes do contrato de locação tão-somente pelo período inicialmente determinado, ainda que exista cláusula estendendo a sua obrigação até a entrega das chaves.

 2. O contrato acessório de fiança obedece à forma escrita, é consensual, deve ser interpretado restritivamente e no sentido mais favorável ao fiador. Assim, a prorrogação por tempo indeterminado do contrato de locação, compulsória ou voluntária, desobriga o fiador que não anuiu. Precedentes.

3. Não havendo abuso do direito constitucional na tentativa de efetivar a pretensão e inexistente qualquer alteração da verdade dos fatos, deve ser afastada a multa imposta por litigância de má-fé e a respectiva condenação ao pagamento de indenização, não implicando tal procedimento o reexame de matéria fático probatória, vedado pelo enunciado n.º 07 da Súmula desta Corte.

4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no Ag 702676/SC, 5ª Turma, de minha relatoria, DJ de 20/03/2006.)

Ademais, a fiança prestada pelo marido no aditamento do contrato ocorrida em 01/09/1999, sem a necessária outorga uxória, não tem o condão de convalidar o contrato originário, isso porque não se admite que qualquer dos cônjuges preste fiança sem a autorização do outro, sob pena de o ato se tornar nulo de pleno direito, sendo correto afirmar que a nulidade é tal que não se limita apenas
à meação da mulher, alcançando também a do cônjuge virago.

E, nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
" LOCAÇÃO. FIANÇA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que a fiança prestada por um dos cônjuges sem outorga uxória é nula de pleno direito, alcançando, inclusive, a meação do outro cônjuge. 2. Precedentes.

3. Recurso conhecido." (REsp 329.037/SP, 5ª Turma, Rel. Min. PAULO GALLOTTI , DJ de 22/09/2003.)

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FIANÇA. OUTORGA UXÓRIA. AUSÊNCIA. NULIDADE DO ATO. A ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido invalida o ato por inteiro. Nula a garantia, portanto. Certo, ainda, que não se pode limitar o efeito dessa nulidade apenas à meação da mulher. Recurso provido." (REsp 457.588/SP, 5ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 25/11/2002.)

"DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. FIANÇA. OUTORGA UXÓRIA. AUSÊNCIA. NULIDADE. 1 – A fiança prestada sem outorga uxória é nula de pleno direito, alcançando todo o ato, inclusive a meação marital. Precedentes da alcançando todo o ato, inclusive a meação marital. Precedentes da Corte.

2 – Recurso especial conhecido e provido." (REsp 422.909/SP, 6ª Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ de 30/09/2002.)

"AGRAVO REGIMENTAL. FIANÇA PRESTADA SEM A OUTORGA UXÓRIA. NULIDADE.
PENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA.

1. Em se tratando de execução decorrente de contrato de locação de imóvel, a validade e a eficácia de fiança prestada sem a outorga uxória constituem temas cuja análise precede, necessariamente, a discussão acerca da penhorabilidade, ou não, de bem de família.

2. É firme o entendimento no sentido de que a fiança prestada por marido sem a
outorga uxória invalida o ato por inteiro, não se podendo limitar o efeito da invalidação apenas à meação da mulher.

3. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 152.499/SP, 6ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 13/08/2001.)

Em assim sendo, é de ser afastada a responsabilidade dos fiadores, ora Recorrentes, pelos aluguéis vencidos e não pagos após o término do contrato de locação, ocorrido em 01/09/1999, em decorrência da ausência da outorga uxória no aditamento realizado no contrato de locação.

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO, para exonerar os Recorrentes da fiança prestada, a partir do término do contrato de locação originariamente firmado, invertendo os ônus sucumbenciais.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZ – Relatora.