9 de abril de 2007

Jurisprudência – Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 641-6/7, da Comarca de SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, em que é apelante a ADMINISTRADORA E CONSTRUTORA SOMA LTDA. e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 22 de fevereiro de 2007.

(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida procedente. Diante de impugnação intempestiva, não há nulidade por cerceamento de direito de impugnar. Decreto judicial tãosomente de arresto não importa indisponibilidade nem inibe registro de escritura de venda e compra do respectivo bem constrito. Recurso conhecido e provido, no mérito, para o registro do título de alienação.

1. Trata-se de apelação interposta por Administradora e Construtora Soma Ltda contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos, o qual recusou o registro de escritura pública de venda e compra de apartamento e de vaga de garagem, referentes às matrículas 104.839 e 104.840, ambas da mencionada serventia predial, por entendimento de que o arresto previamente averbado nessas matrículas, por determinação judicial oriunda de medida cautelar atrelada à ação civil pública, acarretou a indisponibilidade dos bens.

Sustenta o apelante, em resumo, que a sentença é nula por falta da juntada de sua impugnação (erroneamente juntada em outro feito), que lhe resultou prejuízo, uma vez que o MM. Juiz sentenciante dela não teve conhecimento antes da decisão proferida.

No mérito, afirmou que a decisão está apoiada na averbação de indisponibilidade, mas esta foi “corrigida” para averbação de arresto, que não importa em indisponibilidade.

A Procuradoria Geral da Justiça manifesta-se pelo não provimento do apelo.

É o relatório.

2. Pretende-se o registro de escritura pública de venda e compra de apartamento e de vaga de garagem, referentes às matrículas 104.839 e 104.840, ambas do 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos, obstada em razão do entendimento de que o arresto previamente averbado nessas matrículas, por determinação judicial oriunda de medida cautelar atrelada à ação civil pública, acarretou a indisponibilidade dos bens. Levanta-se, todavia, óbice preliminar procedimental (argüição de nulidade por cerceamento de direito de impugnação) que se passa a examinar.

Nota-se que o prazo para a impugnação, que é de quinze dias (artigo 198, III, da Lei de Registros Públicos) teve curso a partir da ciência da apelante em 30 de junho de 2004 (fls. 08) e, esgotado esse prazo, foi apresentada a impugnação em 02 de setembro de 2004 (fls. 112/121), erroneamente juntada em outro feito.

Ora, nada obstante a errônea juntada da impugnação em outro feito e, daí, o julgamento da dúvida sem essa peça nos autos, considerando que sua apresentação não foi tempestiva, não há que se falar em nulidade por cerceamento de direito de impugnação.

Fosse tempestiva, realmente haveria nulidade por vício procedimental (CSM: Apelação Cível nº 54.642-0/0 – Piracaia; rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, DOE 9/12/99; Apelação Cível nº 98.801-0/8 – Cotia, rel. Des. Luiz Tâmbara, DOE 28.03.2003); todavia, frente à apontada intempestividade, não se pode afirmar vício procedimental e, daí, nulidade.

Rejeita-se, desde modo, a preliminar em questão.

No mérito, o caso é de provimento do recurso. Inicialmente, destaque-se que, ao recepcionar na serventia predial o ofício judicial com a notícia do decreto de “arresto” na medida cautelar atrelada à ação civil pública (fls. 155/167), o registrador averbou, erroneamente, decreto de “indisponibilidade” (Av.06/104.839-104.840) – que gerou a desqualificação do título em foco por esse motivo (fls. 54/56), dentre outros -, e, depois, promoveu averbação de retificação de erro evidente (Av.07/104.839-104.840), para constar “decreto de arresto” onde antes (Av.06) constava “decreto de indisponibilidade”.

Nada obstante superados os entraves de registro inicialmente apontados na nota devolutiva, quando da reapresentação do título, e, ainda, nada obstante a mencionada averbação retificatória de erro evidente, o registrador manteve o óbice de registro à escritura de venda e compra, sob o único fundamento de que, no seu entendimento, o tal arresto determinado na ação civil pública acarretou indisponibilidade (fls. 07).

O entrave, todavia, é despido de razão, porque o arresto, em si, sem previsão legal específica ou provimento jurisdicional que amplie seus efeitos, não gera indisponibilidade.

Com efeito, “indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à ordem de inalienabilidade” (CSM, Ap. Cív. nº 29.886-0/4 – SP, Rel. Des. Márcio Bonilha). Logo, indisponibilidade, que excepciona a regra da disponibilidade, depende de lei ou de decisão judicial que a imponha: pressupõe ato de império que lhe dê suporte jurídico de exceção.

No caso, não há lei prescrevendo indisponibilidade como conseqüência automática de arresto nem houve decisão judicial que a tenha determinado.

A decisão judicial que deu suporte aos atos de averbamento nas matrículas 104.839 e 104.840 foi, repita-se, tão-somente de “arresto”, não de “indisponibilidade” (fls. 155/167).

Houvesse na esfera jurisdicional, além do arresto, decreto de indisponibilidade, realmente não seria possível o registro da venda e compra em foco (v.g. CSM, Apelação Cível nº 80.019- 0/2- Mauá, rel. Des. Luís de Macedo, DOE 03.12.2001); mas houve só arresto.

Ora, arresto é medida cautelar que importa em constrição judicial de garantia e futura execução por quantia certa, diante de hipótese de perigo à eficácia do processo executivo prescrita em lei (artigo 813 do Código de Processo Civil), que, aliás, comporta ingresso no fólio real por ato de registro (artigo 167, I, nº 5, da Lei de Registros Públicos), não por ato de averbação.

Logo, tal como a penhora, o arresto não gera indisponibilidade e, assim, não é óbice ao registro de título de transmissão do bem constrito (v.g. CSM, Apelação Cível nº 12.192-0/8 – Nova Granada, rel. Des. Onei Raphael, DOE de 16.07.1991).

Afrânio de Carvalho, aliás, bem esclarece a questão em torno da eficácia relativa da inscrição preventiva (em que se enquadram as decorrentes de penhora): “Dada a eficácia relativa da inscrição preventiva, o executado continua titular do domínio e, nessa qualidade, pode alienar o imóvel penhorado. Embora o adquirente fique sujeito a ver decretada à ineficácia da alienação, não incumbe ao registrador antecipá-la, pelo que há de praticar o ato registral” (Registro de Imóveis. Editora Forense, 4º ed., 1997, p. 240).

A doutrina de Paulo Afonso Garrido de Paula, em sede de arresto, aliás, é expressa no mesmo sentido: “O arresto não se confunde com o decreto de indisponibilidade patrimonial. Esta última, prevista na cautelar fiscal (Lei nº 8.397, de 6.1.1992) e passível de ser adotada com base no poder geral de cautela do juiz (CPC, art. 798), importa restrição dominial, porquanto a constrição atinge a liberdade de disposição patrimonial, de maneira especial o direito de alienação. O arresto, por sua vez, atinge somente a posse, de modo que o bem continua sob o domínio do proprietário, que inclusive poderá aliená-lo, sendo a compra válida em relação ao alienante e adquirente, mas ineficaz em relação ao processo de execução” (Código de Processo Civil Interpretado. Coordenador: Antonio Carlos Marcato. Ed. Atlas, 2ª edição, 2005, p. 2330).

Em suma, decreto exclusivo de arresto não comporta leitura extensiva para decreto de indisponibilidade, até porque medida cautelar constritiva, de exceção, deve ser interpretada restritivamente; logo, inadmissível o óbice ao registro de escritura de venda e compra de bem para o qual há tão-somente arresto (não indisponibilidade) decretado judicialmente e inscrito.

Pelo exposto, conheço e dou provimento, para julgar improcedente a dúvida, admitindo o registro do título em questão nas matrículas 104.839 e 104.840.

(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.O.E. de 04.04.2007).