19 de março de 2007

Jurisprudência -Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

EMENTA

Compromisso de venda e compra. Preliminares. Falta de interesse de agir. Não devolução das parcelas pagas gera a necessidade de buscar a tutela jurisdicional. Cerceamento de defesa. Questão unicamente de direito. Entendimento do art. 330, I do CPC. Cooperativa que não tem a natureza jurídica das tradicionais, não passando de forma encontrada para a comercialização de imóveis em construção, incidindo, por isso, o Código de Defesa do Consumidor. Correta a devolução Imediata das parcelas pagas, com retenção de 20% para cobrir gastos fixos e administrativos da alienante. Recurso improvido, rejeitadas as preliminares. (TJSP – 4ª Câm. de Direito Privado – ACi nº 235.820-4/6-00-SP – Rel. Des. Maia da Cunha – julgado em 11.08.2005)

RELATÓRIO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL n° 235.820-4/6, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Cooperativa Habitacional Procasa, sendo apelado Roger Tadeu Munhoz (e outra) (AJ):

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao apelo, rejeitadas as preliminares.

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença, cujo relatório se adota, que julgou parcialmente procedente ação de rescisão contratual e devolução de quantias pagas, sustentando a ré apelante, em suma, preliminarmente falta de interesse de agir do autor e cerceamento do direito de defesa, e, no mérito, que o autor, na qualidade de cooperado, deve receber a devolução das parcelas pagas nos moldes estabelecidos no contrato firmado e no estatuto da cooperativa porque tal forma de devolução não é vedada pela legislação nacional, inclusive pelo Código de Defesa do Consumidor, embora não se aplique porque os atos de cooperação não são considerados relação de consumo.

Este é o relatório.

VOTO

Rejeitam-se as preliminares.

Primeiramente não há que se falar em falta de interesse de agir. O autor, após a demissão do quadro de associados da ré, e conseqüente rompimento do contrato firmado, viu-se diante da negativa da ré em devolver as parcelas pagas, o que gerou a necessidade de buscar a tutela jurisdicional. Para tanto, se valeu do meio processual adequado e apto à devolução das parcelas pagas.

Tampouco deve prosperar a preliminar de cerceamento de defesa. Alega a apelante que a ausência da fase probatória impossibilitou que fossem provadas as alegações da contestação, pela juntada de novos documentos ou outros. No entanto, trata-se unicamente de matéria de direito, autorizado o julgamento antecipado da lide, conforme o art. 330, inciso I do Código de Processo Civil. Além de tudo, se havia outros documentos aptos a comprovar as alegações da apelante, competia-lhe instruir a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações (art. 396 do Código de Processo Civil). Neste contexto, nenhum prejuízo adveio para a apelante a falta de audiência de conciliação.

Quanto ao mérito, o fato de se tratar de cooperativa em nada modifica a situação. É que não se trata propriamente de cooperativa, mas de incorporação e construção de empreendimento imobiliário sob a constituição de cooperativa com o fim de evitar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e demais disposições que regem a matéria ligada à rescisão do contrato imobiliário e suas conseqüências. O regime jurídico das cooperativas tradicionais, tal como o seu modo de operar, foge por completo das características das cooperativas formadas para a construção e venda de imóveis em construção.

A respeito, já se afirmou em julgado deste Tribunal, relatado pelo Des. Sebastião Carlos Garcia, que tais cooperativas muito mais se assemelham a consórcios, onde não há ou não predomina o espírito cooperativo e a adesão se dá apenas com a finalidade de aquisição da casa própria, dela se desligando após consumada a construção (Apelação n° 166.154, ReI. Des. Olavo Silveira, "in JTJ 236/60). Vale transcrever, pela força do argumento, parte do seguinte julgado em que se afirma: "a adesão à cooperativa é um disfarce de compromisso de venda e compra que melhor define a relação entre as partes” e que "não queriam participar de cooperativa nenhuma, mas sim adquirir a casa própria" (Apelação n° 106.944-4, ReI. Des. Narciso Orlandi, "in JTJ 236/60).

Em suma, a cooperativa colocada no pólo passivo da demanda é daquelas em que um grupo de pessoas, de forma disfarçada, promovem a venda de unidades condominiais. Os compradores, que não tinham a menor intenção de ser cooperados de nada, aderem com o fim exclusivo de comprar o imóvel. Por isso que se aplica ao caso o Código de Defesa do Consumidor e ficam prejudicadas as alegações recursais sobre o sistema cooperativo tradicional em que não se encaixa a apelante.

A conclusão é que, por fundamento diverso, e respeitável, bem agiu a r. sentença ao determinar a devolução das parcelas pagas de imediato.

A jurisprudência, por sua vez, consagrou o entendimento de que a devolução deverá ser descontada de percentual que seja suficiente para o pagamento das perdas e danos e despesas administrativas, aí incluídas as de corretagem e publicidade. O percentual que se tem aceito como suficiente, para não haver prejuízo ao alienante que não deu causa à rescisão, gira em tomo 20% do total das parcelas pagas.

Nesse sentido, confira-se, deste Egrégio Tribunal de Justiça: “COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA DE IMÓVEL – Arrependimento – Fato extraordinário não provado pelo réu – Desfazimento tácito – Obrigação de devolução) da prestação recebida – Retenção devida de apenas 20 %, em tendo havido ocupação da coisa – Restituição de 80% corrigidos – Precedentes do STJ – Provimento parcial ao recurso para esse fim – Resolvido tacitamente compromisso de compra e venda de imóvel, há o promitente vendedor de, quando tenha havido ocupação da coisa, restituir corrigidos 80% (oitenta por cento) das prestações que recebeu" (Apelação Cível n° 60.144-0 -São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP – Rel. Des. Cezar Peluso – J .09.02.99).

No mesmo sentido, com pequena variação do percentual: Apelação Cível n. 85.010-4, São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Des. Oswaldo Breviglieri, em 28.07.99, Unânime; Apelação Cível. N° 52.562-4 – São Paulo – 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP. Rel. Cesar Lacerda – J. 24.08.98 – Unânime.

E mais não é necessário afirmar para a confirmação da r. sentença, por fundamento diverso, mantendo-se a declaração de nulidade da cláusula 16 do contrato e nulos os artigos 26 e 27 dos estatutos sociais e condenando-se a apelante ao pagamento imediato de 80% das parcelas pagas acrescidas de atualização monetária a partir do desembolso e juros a partir da citação.

Pelo exposto é que o meu voto rejeita as preliminares e nega provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento o Desembargador J.G. Jacobina Rabello e dele participaram os Desembargadores Teixeira Leite (Revisor) e Francisco Loureiro (3° Juiz).

São Paulo, 11 de agosto de 2005.

MAIA DA CUNHA – Relator