15 de março de 2007
Jurisprudência – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
EMENTA
Usucapião extraordinária – Posse própria dos autores que, somada a do antecessor, perfaz o prazo do art. 550, do CC, de 1916, tornando desnecessária a transformação do pedido em usucapião rural de posse qüinqüenal – Não Provimento. (TJSP – ACi nº 203.607-4/5-00 – 4ª Câm. de Direito Privado – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – julgado em 30.03.2006)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 203.607-4/5-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que são apelantes ELEODORO GONÇALVES DE FARIAS e OUTROS sendo apelados ESPÓLIO de LUIZ DE SOUZA, representado por sua INVENTARIANTE, e esta por si mesma e OUTRA e NOVA ITANHAÉM EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/C LTDA., representada por sua CURADORA ESPECIAL:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores CARLOS STROPPA (Presidente, sem voto), MAIA DA CUNHA e TEIXEIRA LEITE.
São Paulo, 30 de março de 2006.
ENIO ZULIANI – Relator
RELATÓRIO
Vistos.
ELEODORO GONÇALVES DE FARIAS e sua esposa, MARGARIAD DO PRADO FARIA, e JOSÉ MARIA SARAIVA e sua esposa, MARIA GILVANETE DOS SANTOS SARAIVA, recorrem da r. sentença que acolheu ação de usucapião promovida pelo ESPÓLIO DE LUIZ DE SOUZA E LOURDES BASILDO DE SOUZA.
O imóvel usucapiendo é formado pelos lotes 7, 8, 11 e 12, da quadra “I”, Chácara Santo Amaro, com a área total de 5.168,57 m², conforme descreveu o Perito (fl. 202), todos devidamente matriculados no 11° Cartório, conforme consta de fl. 45/53.
Os apelantes defendem a propriedade dos lotes 8 e 11, valendo anotar que tramitou, inclusive, uma ação reivindicatória entre os litigiantes, com resultado de improcedência, conforme r. sentença de fl. 389/392 e Acórdão de fl. 428/430.
Os apelantes alegam vicio da r. sentença, que reconheceu usucapião pela Lei 6969/81 e art, 191, da CF, o que constitui o julgamento fora do pedido. Afirmam que os autores requerem a usucapião extraordinária e não provaram o tempo de posse exigido pelo art. 550, do CC, de 1916. A ilustrada Procuradoria Geral de justiça recomenda a preservação da r. sentença.
É o relatório.
VOTO
É necessário dispor que a r. sentença que rejeitou a ação reivindicatória promovida pelos apelantes, acolheu a exceção de usucapião argüida pelos apelados. Há, portanto, coisa julgada [art. 5°, XXIV, da CF] que deve ser respeitada entre as partes [art. 472, do CPC]. Assim, embora se admita que o principal e, quiçá, único efeito da sentença que acolhe exceção de usucapião é a de impedir que se repita a reinvindicatória e nunca o de constituir título hábil para declaração de domínio [pela imprescindibilidade da ação própria de usucapião para esse fim] não é de se negar que existe um documento público reconhecendo e qualificando a posse animus domini.
A r. sentença de fl. 389/392, confirmada pelo v. Acórdão de fl. 426/430, declara, de forma oficiosa, que os autores são possuidores do imóvel marcado como lotes 8 e 11 [que os apelantes reivindicaram na ação que perderam e que querem excluir da usucapião], com posse qualificada para reconhecimento de usucapião [art. 550, do CC, de 1916]. Assim, apesar de não ter a sentença que acolheu a exceção, carga constitutiva ou declaratória pra fins de transcrição, ela não deixa de ser uma resposta do Estado-juiz consagrando, juridicamente, o fato que fundamenta o pedido dos autores.
Portanto, os autores obtiveram excelente subsidio para reforçar suas expectativas com a prova emprestada da ação reivindicatória finalizada, exatamente porque a posse animus domini está demonstrada por documento público [art. 136, II do CC, de 1916], de eficácia probatória indiscutível. Essa prova, convém recordar, repercute no patrimônio judiciário dos apelantes porque eles foram partes ativas da ação reivindicatória.
Todavia, seria até dispensável esse reforço externo na formação do conjunto das provas. A posse é um fato que ganha proporções jurídicas extraordinárias quando se faz qualificada, porque a magnitude da apreensão da coisa como exteriorização do poder físico e da vontade de lê-la [corpus + animus], fez com que o sistema lhe outorgasse valor social e de Direito. A mais importante consequência da posse justa e de boa-fé, quando longeva, é a de proporcionar a aquisição do domínio [posse ad usucapionem].
A posse de usucapião não admite os vícios da clandestinidade, da precariedade e da violência. No caso dos autores, a posse deles está marcada, na origem, pela transparência da aquisição. pois não há a mínima referência que possa comprometer o ingresso pacífico e autorizado deles, na posse dos terrenos unificados, Cumpre consignar que a qualidade da posse dos autores, ora apelados, está caracterizada pela natureza ad interdicta e que foi reconhecida pelo Poder Judiciário ao rejeitar a reivindicatória dos apelantes. A posse dos apelados chegou ao máximo de se sobrepor ao direito daqueles que se intitulavam proprietários.
Chega-se, por fim, a questão do prazo. O douto Magistrado construiu criterioso raciocínio para deferir a usucapião aos autores, com base no art. 191, da CF, associado ao art. 1°, da lei 6959/81. Contudo e respeitada essa convicção, era dispensável a capitulação do imóvel como rural para fins de encurtar o prazo da prescrição aquisitiva, pois, somada a posse dos autores ao do antecessor [Altino Alves de Oliveira] completo ficou o tempo de posse hábil para reconhecimento do domínio. Os autores afirmam que exercem a posse própria desde 1975, e que somaram a do antecessor , em relação ao lote 11, desde 1964 [fl. 73]; a prova dos autos não contradiz tais afirmativas e, o que é importante, não demonstra o poder físico dos apelantes sobre os lotes em toda a história imobiliária deles.
Não há porque negar vigência ao art. 552, do CC, de 1916 e que corresponde ao art. 1243, do CC, de 2002. Altino figura como possuidor da área total, tendo sido o primeiro a colocar marcos divisórios para separar a gleba que adquiriu e que, posteriormente, repassou para o finado Luiz de Souza. Aliás, confirma a prova oral de fl. 474/478, o que o Perito houvera apurado na pesquisa de campo que realizou, oportunidade em que procurou averiguar a origem da posse dos autores e do antecessor [fl. 2098/214], atestando a sua continuidade. Não existe ruptura da posse transferida, o que permite a somatória que perfaz o prazo de vinte anos previsto no art. 550, do Código Civil, de 1916. Altino sempre foi tido como possuidor de boa-fé, pelos títulos que possuía.
Vale acentuar, por fim, que o ajuizamento da ação reivindicatória não alterou o panorama de posse justa dos autores, pois a litigiosidade que rompe a qualidade da posse, restaurando eventuais vícios de origem, é aquela de ordem positiva, ou seja, quando o litigante que se opõe confirma a predominância do seu direito. No caso, como os apelantes foram vencidos na ação reivindicatória, justamente pela magnitude da posse dos autores não ocorreu desqualificação da posse ad usucapionem e que, com justiça, consagra o domínio declarado pela r. sentença.
Pelo exposto, nega-se provimento.
ÊNIO SANTARELLI ZULIANI – Relator