12 de março de 2007

Jurisprudência – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

EMENTA

RESCISÃO DE CONTRATO. RESPONSABILIDADE. INCORPORADOR E CONSTRUTOR. Legitimidade do incorporador para figurar em ação de rescisão contratual, uma vez que figurou como interveniente do contrato que se pretende rescindir, na qualidade de construtor e também de incorporador por mandato, de sorte que deve responder, solidariamente, por atos ligados à atividade do incorporador. Rejeição da preliminar. Contrato de fácil compreensão, admitindo duas formas de pagamento do saldo devedor, a primeira, por intermédio de financiamento junto ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH) ou equivalente, e, não logrando êxito o outorgado em obtê-lo, a possibilidade de pagamento direto à outorgante, com o acréscimo de juros pela TabeIa Price. Falta de prova da conduta culposa do incorporador e construtor, não se podendo admitir a inversão do ônus da prova na sentença, por violação ao contraditório. No entanto, o fato de não ter sido demonstrada a conduta culposa dos réus em nada obsta o direito da autora, porquanto é assente na jurisprudência do STJ a possibilidade de denúncia unilateral do compromisso de compra e venda de imóvel por insuportabilidade do pagamento das prestações. Direito à devolução de 75% do valor pago, corrigido a partir de cada desembolso e acrescido de juros desde a citação, com base nos arts. 51, II, e 53, caput, do CDC, autorizando-se aos apelantes a retenção dos 25% remanescentes, a título de despesas gerais da incorporadora com o empreendimento, inclusive das de natureza condominial (ERESP 59870/SP, ReI. Ministro BARROS MONTEIRO). Dano moral, inocorrência no simples inadimplemento contratual, a demandar prova, que não se fez. PROVIMENTO PARCIAL DOS RECURSOS. (TJRJ – ACi nº 09665/2005-RJ – 18ª Câm. Cível – Rel. Des. Célia Maria Vidal Meliga Pessoa – julgado em 28.06.2005)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível de n° 09665/2005, em que figura como apelante 1 VIVANCE S.A., apelante 2 CONSTRUTORA BULHÕES, CARVALHO DA FONSECA S.A., sendo apelado 1 SUELY RODRIGUES HORII e apelado 2 VIVANCE S.A.,

ACORDAM os Desembargadores da DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por unanimidade, em rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento aos recursos, nos termos do voto da Des. Relatora.

RELATÓRIO

Trata-se de ação de rescisão de promessa de compra e venda de restituição das quantias pagas e indenização por danos morais, ajuizada por SUELY RODRIGUES HORII, em face de VIVANCE S.A. e CONSTRUTORA BULHÕES, CARVALHO DA FONSECA S.A., tendo como causa de pedir o descumprimento do contrato, em razão de os réus terem cessado o envio das boletas de cobrança do financiamento para a residência da autora em virtude do condicionamento imposto à comprovação da adesão da autora a um plano de financiamento.

A sentença (fls.330/341) julgou procedente em parte o pedido, para decretar a rescisão do contrato por fato imputável às rés, condenando, as rés, solidariamente, a restituir à autora todas as importâncias pagas, no montante total de R$ 51.019,86, corrigidas monetariamente desde o ajuízamento da demanda, condenando a ré também ao pagamento de 45 salários mínimos a título de indenização por danos morais, impondo a sucumbência recíproca, e, em conseqüência julgou improcedente a reconvenção ofertada pela ré Vivance S.A., condenando-a ao pagamento das custas processuais da reconvenção e honorários de 10% sobre o valor da causa.

Inconformados, apelam os réus.

1) a VIVANCE S.A., em que sustenta a inexistência de previsão legal que permita ao contratante inadimplente a rescisão unilateral quando cumprida a obrigação da outra parte, conforme disposto no art. 475, do CPC, e na súmula 166, do STF, uma vez que o contrato possui cláusula de irretratabilidade e irrevogabilídade. Sustenta, ainda, que o contrato foi redigido de forma clara e transparente, com previsão na cláusula 118 de quitação, do preço através de financiamento bancário, o que não logrou êxito a apelada em ter junto à CEF, incidindo a partir de então os juros de 1 %, pela Tabela Price. Alega que somente suspendeu o envio das boletas de pagamento e reteve a entrega das chaves em razão do atraso no pagamento de três prestações consecutivas, até que fosse regularizado o pagamento, sendo desproporcional a restituição de todas as parcelas pagas, devendo ser aplicado o art. 53, do CDC. Argumenta, por fim, que a apelada assumiu no contrato de responsabilidade do pagamento pelas cotas condominiais, não fazendo jus à sua liberação, além de que o inadimplemento contratual, em regra, não dá ensejo ao dano moral, pleiteando subsidiariamente a sua redução (fls.351/375).

2) da CONSTRUTORA BULHOES CARVALHO DA FONSECA S.A., em razões de fls.380/394, sustentando a sua ilegitimidade passiva, pois teria ficado responsável apenas pela construção do imóvel, não respondendo por atos intimamente ligados à atividade do incorporador, ressaltando que não fez parte do contrato de promessa de compra e venda, e que os contratos de incorporação estão sujeitos à aplicação da Lei n°4.591/64, aplicando-se o CDC somente nas cláusulas inseridas no contrato que infrinjam a boa-fé objetiva, o que não é o caso dos autos, não sendo justo o ingresso em juízo para modificar negócio jurídico livremente pactuado, obtendo vantagem indevida. Alega, ainda, a responsabilidade da apelada pelo pagamento pelas cotas condominiais, a inexistência de dano moral e, em caso de sua manutenção, a redução do quantum.

Contra-razões da autora aos dois apelos, a fls. 406/422, em prestígio da sentença.

A segunda apelante não ofereceu contra-razões ao recurso de fls.351/377, e a primeira apelante não ofereceu contra-razões ao recurso de fls. 380/395, conforme certidão de fls.437.

Recursos tempestivos e preparados.

É O RELATÓRIO.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação contra a sentença que julgou procedente pedido de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel e de restituição das quantias pagas, condenando as rés também ao pagamento de 45 salários mínimos a título de indenização por danos morais, e em conseqüência julgou improcedente a reconvenção ofertada pela outorgante do terreno Vivance Ltda.

Preliminarmente, não procede a alegação de ilegitimidade passiva, da segunda apelante, uma vez que esta figurou como interveniente do contrato que se pretende rescindir (fls.34/44), na qualidade de construtora e também de incorporadora por mandato, de sorte que deve responder somente, por atos ligados à atividade do incorporador. O mestre Sérgio Cavalieri Filho, no exame da tese da solidariedade entre o incorporador e o construtor disserta: "E quem se faz substituir na execução de uma tarefa, pondera Aguiar Dias, é responsável, juntamente com o substituto, pelos danos que este vier a causar, quer decorram de falta contratual, quer de falta delitual, desde que relacionados com o exercício da substituição. O mecanismo da substituição, prossegue o Mestre, estabelece verdadeira identificação entre o cérebro ou direção, que orienta, e o braço que executa. O ato do dirigido é o ato do dirigente; o ato do substituto é o ato do substituído." ("Programa de Responsabilidade Civil”, Malheiros. 4ª edição, p. 355).

Quanto à questão da interpretação do contrato, da leitura das cláusulas Décima, Décima Primeira e Décima Segunda (fls.37/38), não se vislumbra a alegada dificuldade de compreensão sustentada pela autora e acolhida na sentença, porquanto tais cláusulas são claras quanto a se admitir duas formas de pagamento do saldo devedor a que se refere a cláusula 2, item g, a primeira, por intermédio de financiamento junto ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH) ou equivalente, e, não logrando êxito o outorgado em obtê-lo, a possibilidade de pagamento direto à outorgante, com o acréscimo de juros pela Tabela Price.

Por seu turno, também não foi demonstrada, nestes autos, a conduta culposa dos apelantes em exigir a comprovação da adesão da autora a um plano de financiamento, não se podendo admitir a inversão do ônus da prova na sentença, por violação ao contraditório, conforme entendimento predominante deste Tribunal, consubstanciado no Enunciado n° 3 do último Encontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio De Janeiro. “A inversão do ônus da prova, prevista na legislação consumerista, não pode ser determinada na sentença. Justificativa: A inversão do ônus da prova, em favor do consumidor, não é legal mas judicial, pelo que o fornecedor seria surpreendido, se se considerasse a sentença como momento processual da inversão, em afronta ao principio do contraditório. Ref.: ApCv 2002.001.25311, TJERJ, 11ª C. Cível, julgada em 14/05/2003; ApCv 2003.001.27938, TJERJ, 6ª C. Cível, julgada em 10/02/2004."

No entanto, o fato de não ter sido demonstrada a conduta culposa dos réus em nada obsta o direito da autora, ora apelada, porquanto é assente na jurisprudência do STJ a possibilidade de denúncia unilateral do compromisso de compra e venda de imóvel quando as prestações se tornarem excessivas, de forma a impossibilitar o seu adimplemento, o que é exatamente a hipótese dos autos, em que a autora declina também como causa de pedir a insuportabilidade do pagamento das prestações sem a obtenção de um financiamento pelo SFH.

Confira-se a jurisprudência majoritária do STJ sobre a matéria, que ora trago à colação:

CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DESISTÊNCIA. AÇÃO PRETENDENDO A RESCISÃO E RESTITUIÇÃO DAS IMPORTÂNCIAS PAGAS. RETENÇÃO PARCIAL EM FAVOR DA VENDEDORA, COMO RESSARCIMENTO DE DESPESAS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ARTS. 51, II, 53 E 54. CÓDIGO CIVIL, ART. 924. MULTA PROCRASTINATÓRIA APLICADA NO TRIBU- NAL DE ORIGEM. SÚMULA N. 98-STJ. INCIDÊNCIA. I. A C. 2ª Seção do STJ, em posição adotada por maioria, admite a possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por iniciativa do devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel (EREsp n. 59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, por maioria, DJU de 09.12.2002). II. O desfazimento do contrato dá ao comprador o direito à restituição das parcelas pagas, porém não em sua integralidade. Fixação de percentual de retenção. IlI. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório" – Súmula n° 98-ST J. IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (RESP 188.951/DF, ReI. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 04.09.2003, DJ 06.10.2003 p. 273)

PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESILIÇÃO. DENÚNCIA PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇOES. RESTITUIÇÃO. – O compromissário comprador que deixa de cumprir o contrato em face da insuportabilidade da obrigação assumida tem o direito de promover ação a fim de receber a restituição das importâncias pagas. Embargos de divergência conhecidos e recebidos. em parte. (ERESP 59870/SP, ReI. Ministro BARROS MONTEIRO. SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10.04.2002, DJ 09.12.2002 p. 281)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESILIÇÃO UNILATERAL. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS. APLICAÇAO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR CDC, ART. 51. PRECEDENTES. JULGAMENTO EXTRA PETITA. CPC, ART. 460. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESACOLHIDO. I – Não julga fora dos limites do pedido o juiz que adota fundamentação legal não invocada pelas partes, nem profere sentença diversa da pedida, nem, outrossim, condena o réu em objeto diverso do que lhe foi demandado. II – Ausente o prequestionamento, torna-se inviável o acesso à instância especial, a teor do enunciado n° 282 da súmuIa/STF. III -Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida, a teor do verbete sumular n° 83/STJ. (RESP 164.953/RS, Rel. Ministra SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXElRA, QUARTA TURMA, julgado em 23.05.2000, DJ 07.08.2000 p. 109)

Com efeito, até mesmo por causa da admissão do pagamento de parte do débito por meio de financiamento a ser obtido junto ao sistema Financeiro de Habitação (SFH) ou equivalente, os réus ora apelantes não se cercaram das cautelas devidas quando da assinatura do contrato, tanto que nele fizeram constar cláusula condicional e futura, não podendo agora pretender opor a irretratabilidade do contrato se desde o início contrataram com quem não sabidamente não podia adimplir com a avença, dai porque perfeitamente aplicável a resilição unilateral de que cuidam 05 precedentes citados.

Por tais fundamentos, faz jus a autora à devolução de parte do valor pago, no percentual de 75% do valor fixado na sentença, corrigidas a partir de cada desembolso, e juros desde a citação, com base nos arts. 51, II, e 53, caput, do CDC, autorizando-se aos apelantes a retenção dos 25% remanescentes, a titulo de despesas gerais da incorporadora com o empreendimento, inclusive as de natureza condominial, uma vez que a apelada jamais esteve na posse do imóvel (ERESP 59870/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10.04.2002, DJ 09.12.2002 p. 281).

Por fim, ainda que se tratasse de rescisão por culpa dos apelantes, também Ihes assiste razão quanto à inexistência de dano moral por inadimplemento contratual. Vale anotar que o dano moral, em situação como a presente, não emerge in re ipsa, demandando prova da ocorrência da ofensa e da gravidade da repercussão na esfera do direito da personalidade do ofendido, mediante a comprovação da dor, constrangimento e humilhação advindos do fato, o que a apelada não se desincumbiu de produzir. Nesse sentido, preleciona Yussef Said Cahali, verbis: “Regra geral, no plano do dano moral não basta o fato em si do acontecimento, mas, sim, a prova de sua repercussão, prejudicialmente moral" (em Dano Moral, 2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais. p.703).

Na forma da fundamentação supra, rejeita-se a preliminar argüida, e, no mérito, dá-se parcial provimento aos recursos.

Rio de Janeiro, 28 de junho de 2005.

DESª. CASSIA MEDEIROS – PRESIDENTE SEM VOTO

DES. CÉLIA MARIA VIDAL MELIGA PESSOA – RELATORA

Participaram também do julgamento:

Des. Roberto Felinto (revisor)

Des. Nascimento Povoas Vaz (vogal)