12 de março de 2007

Jurisprudência – STF: Serviços notariais e registrais – Emolumentos – Recolhimento

EMENTA

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Resolução editada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que alterou os percentuais de destinação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registros (Resolução no 196/2005). 3. Ato administrativo com caráter genérico e abstrato. Possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade. Precedentes. 4. Supressão de parcela destinada ao Poder Executivo, que passaria a ser destinada ao Poder Judiciário. 5. Não configurada violação ao art. 98, § 2o da Constituição Federal (com a redação dada pela Emenda Constitucional no 45/2004), uma vez que o referido dispositivo constitucional inclui tanto as custas e emolumentos oriundos de atividade notarial e de registro (art. 236, § 2o, CF/88), quanto os emolumentos judiciais propriamente ditos. 6. Caracterizada a violação dos arts. 167, VI, e 168 da Constituição Federal, pois a norma impugnada autoriza o remanejamento do Poder Executivo para o Poder Judiciário sem prévia autorização legislativa. Inconstitucionalidade formal. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF – ADI nº 3401 – Tribunal Pleno – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJ 23.02.2007)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (RISTF, art. 37, I), na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente a ação direta por inconstitucionalidade formal, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 26 de abril de 2006.

MINISTRO GILMAR MENDES – RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (RELATOR):

O Governador do Estado de São Paulo ajuiza a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar de suspensão da vigência, em face da Resolução nº 196, de 19.1.2005, editada pelo órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A referida Resolução nº 196/2005 dispôs, em seu artigo 1º, que o "recolhimento dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registros, dirigido ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, passa de 3,289473% para 21,52633%".

Com isto, segundo o requerente, estaria o Poder Judiciário absorvendo “parcela de 17,763160% que, nos termos reconhecidos na motivação mesma do ato ora impugnado, constitui receita do Estado – vale dizer, Poder Executivo – à luz de legislação local”.

Nos termos da inicial, “tal comando, segundo se lê logo a princípio na sobredita Resolução, visaria a dar cumprimento ao disposto no § 2º, do artigo 98, da Constituição da República (com a redação que vem de lhe ser dada pela Emenda nº 45, de 8.12.2004), segundo o qual as ‘custas e emolumentos serão destinados ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça’.”

E ainda, continua o requerente, “em seu artigo 2º, […] dispôs a Resolução em mira que o ‘recolhimento da taxa judiciária, anteriormente (sic) procedida na Guia de Arrecadação Estadual – GARE, doravante será efetuado em GUIA DE RECOLHIMENTO própria do FUNDO ESPECIAL DE DESPESA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (…). observando-se os novos códigos de receita" (destacado no original) em seguida especificados”.

A motivação do ato normativo, nesse art. 2º, segundo o requerente, seria a seguinte:

“Cuida-se, segundo se lê no quinto parágrafo de seus considerando, de absorver, em detrimento da Fazenda do Estado, 60% do montante arrecadado do aludido tributo, atualmente destinado ao Poder Executivo nos ternos de legislação local.”

Quanto ao cabimento da ação direta, afirma o requerente:

“2. É assente a jurisprudência dessa Suprema Corte no admitir o ingresso de ADIn contra ato normativo estadual infralegal, contrário à Constituição Federal, desde que dotado de caráter impessoal, genérico e abstrato. Confiram-se, nesse exato sentido, as ADIns. 962-1/MC (DJ de 11.2.1994) e 1.088-PI/MC (RTJ 155/430)1. Especificamente no que tange à impugnação de resoluções revestidas dos atributos recém-indicados, editadas por Tribunais ou órgãos colegiados destes, é igualmente firme o entendimento desse Excelso Pretório na direção de sua admissibilidade: ADIn 870-DF (RTJ 151/423), ADIn 942-PR/MC (RTJ 151/842) e ADIn 664-SP/MC, RTJ 152/779), dentre outras.

Ora, a propósito da natureza do ato normativo aqui guerreado, não há espaço para hesitações. Cuidase de ato administrativo editado por órgão do Poder Judiciário, contendo precisamente as características assinaladas no parágrafo precedente: o diploma não possui efeitos concretos, vale dizer, seu raio de incidência não está delimitado por um número definido de destinatários. Note-se ainda, como também já decidido pelo Plenário desse Tribunal Supremo, que ‘a determinalibilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individulização que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimo’ (ADIn 2.137-RJ/MC:; RU 173/490).

Não se impugna aqui, C. STF, determinada destinação de recursos, como sói ocorrer – exemplifico – em leis de diretrizes orçamentárias. Os alvos desta ação direta são, antes, dispositivos que conferem, genericamente, (i) equivocada e inconstitucional natureza a emolumentos oriundos de atividade notarial e de registro e (ii) inconstitucional transferência de recursos, porque desacompanhada de autorização legislativa.”

Em seguida, o requerente expõe os fundamentos da ação direta.

O primeiro argumento tem como foco a interpretação conferida pelo TJSP ao art. 98, § 2º, da Constituição, nos termos da Emenda 45, de 2004. Consta da inicial:

“3. Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, passou o artigo 98, § 2º., da Lei Maior a dispor […] que ‘as custas e emolumentos’ sejam ‘destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades especifícas da Justiça’.

Pois bem. Cuidando-se de artigo inserto em capítulo intitulado ‘Do Poder Judiciário’, a mais singela interpretação sistemática indica que as custas e emolumentos referidas pelo constituinte derivado são as custas processuais e os emolumentos judiciais. Estes últimos, como é bem sabido, correspondem à taxa devida pela prestação de certos serviços que, por seu turno, não emanam diretamente da prática de atos processuais. É o que sucede, por exemplo, quando da expedição de certidões (v.g., de objeto e pé), da reprodução de peças do processo, da autenticação de determinadas comunicações (ofícios requisitórios, dentre outros). A existência de emolumentos judiciais, de resto, é reconhecida repetidamente pelo legislador processual (cf., p. ex., CPC, arts. 585, V, e 1.212, parágrafo único; Lei Federal nº 6.830/80, art. 39. caput).

Ora, esses emolumentos judiciais nada, em absoluto, têm a ver com os emolumentos extrajudiciais, que por seu turno constituem, como é igualmente sabido de todos, contraprestação dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro (Constituição da República, art. 236, § 2º). Os serviços por último referidos – não custa recordar – são exercidos em caráter privado, embora por delegação do Poder Público (CR, art. 236, caput), estando reservada ao Poder Judiciário tão-só a fiscalização desses atos (idem, § 1º.). A ninguém haverá de ocorrer, pois, que notários e registradores, ao garantirem a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia de atos jurídicos, exerçam atividade especifica da Justiça, isto é, a jurisdição. Deveria ser suficiente, aliás, atentar para o discrímen de que se serviu o constituinte originário, não incluindo os serviços notariais e de registro no Capítulo III, do Título IV, da Carta Magna.

A fiscalização exercida pelo Poder Judiciário sobre os preditos serviços não infirma, naturalmente, o que se vem de expor. A ninguém ocorrerá que os emolumentos extrajudiciais visem exclusivamente a remunerar tal atividade. Bem ao contrário, a própria Resolução impugnada indica que cerca de 79% da receita proveniente dos emolumentos em exame destinase a remunerar os próprios serviços de notários e registradores, sendo certo que a fração restante (aproximadamente 21%) tem como destinatários o Poder Público, responsável pela delegação do serviço, e o Poder Judiciário, encarregado de sua fiscalização.

O artigo 1°. da Resolução 196/2005, editada pelo órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, perpetrou acintosa inconstitucionalidade ao se apropriar de toda a receita de emolumentos extrajudiciais devida ao Poder Público, pretextando, para tanto, o cumprimento do artigo 98, § 2º, da Lei Maior, que em verdade reserva ao Judiciário a receita (custas processuais e emolumentos judiciais) tão-só de suas próprias e específicas atividades. Essa agressão ao Texto Constitucional consiste, pois, em emprestar ao vocábulo ‘emolumentos’, quando surge no artigo 98, § 2°, extensão que este absolutamente não possui. Há mais, porém. Ao assim proceder, a Resolução vergastada transforma a atividade notarial e de registro em ‘serviços afetos à atividade específica da Justiça’ (art. e par. cit), o que contraria frontalmente o artigo 236, caput e § 1°., da Carta Política: nenhuma atividade específica da Justiça é exercida em caráter privado e nenhuma fiscalização do Poder Judiciário é capaz de metamorfosear a natureza do objeto sobre o qual incide.”

Conclui o requerente, nesse ponto:

“Peço vênia, ao arrematar este tópico, para registrar que à Resolução hostilizada não escapou inteiramente a audaciosa inconsistência de seu artigo 1º., pois, se os emolumentos contemplados pelo artigo 98, § 2º., da CF fossem efetivamente os extrajudiciais, o produto integral de sua arrecadação – e não apenas 21% dessa receita – deveria ser canalizado ao Judiciário, o que aniquilaria por completo, em escala nacional, a atividade notarial e de registro. Não foi esse, obviamente, o desiderato do constituinte derivado.”

O segundo argumento formulado na inicial refere-se à potencial invasão, pelo ato impugnado, de matéria sujeita a reserva legal. Diz o requerente:

“4. Nos termos do artigo 167, VI, da Constituição da República, são vedados ‘a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos (…) de um órgão para o outro, sem prévia autorização legislativa’. Dispõe ainda esse mesmo artigo, em seu inciso IX, ser vedada ‘a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa’. Tendo em mente esses parâmetros constitucionais, parece evidente que a modificação da destinação da receita auferida com a cobrança da taxa judiciária, incluindo o quantum devido a diferentes fundos, é matéria sujeita a estrita reserva legal. A Resolução impugnada reconhece expressamente, de resto, a necessidade de lei para esse fim, confirmando, no quinto parágrafo de seus consideranda, que a distribuição do montante da taxa judiciária arrecadada é hoje objeto de disciplina por parte de legislação local.

Ora, dita Resolução, em seu artigo 2°., contrariou ostensivamente a reserva legal incidente sobre a matéria ao modificar, sem prévia autorização legislativa, a destinação da receita mencionada no parágrafo precedente, suprimindo inteiramente a parcela que, por lei, cabe à Fazenda do Estado. E, também aqui, o pretexto foi o de dar cumprimento ao novel § 2º., do artigo 98, da Lei Maior, segundo o qual custas e emolumentos destinam-se a custear os serviços afetos a atividades específicas da Justiça.

Pois bem. O fim a que se destinam as sobreditas custas e emolumentos não implica, em absoluto, que devam estas ser recolhidas diretamente ao caixa do Poder Judiciário. Note-se que, mesmo após a EC 45/2004, permanece vigente, embora com nova redação, o artigo 168 da Constituição Federal, segundo o qual os recursos correspondentes às dotações orçamentárias do Poder Judiciário ser-lhe-ão entregues, até o dia 20 de cada mês, em duocédimos.

O artigo 98, § 2°., da Carta Política não comporta pois interpretação isolada, a expensas do que dispõe o mesmo Texto em seus artigos 167, VI e IX, e 168. A instituição e modificação de fundo, assim como a transposição, o remanejamento ou transferência de recursos, é matéria sujeita a reserva legal, sendo irrelevante, para esse fim, que a Lei Maior tenha agora disposto, expressamente, que a receita da taxa judiciária pertence ao Judiciário.

Não se controverte a este último respeito, naturalmente. Todavia, os recursos obtidos com a arrecadação desse tributo integram o conjunto de receitas do Judiciário, já constantes da peça orçamentária aprovada para o exercício de 2005, que lhe devem ser entregues em duodécimos, na forma do artigo 168 da Carla Magna.”

O requerente assim conclui esse ponto:

“Sob este último aspecto, cabe ainda uma derradeira ponderação.

A Emenda Constitucional nº 45 foi publicada, como é notório, a 31 de dezembro transato, quando já ultrapassadas todas as etapas atinentes à tramitação das leis (i) orçamentária e (ii) de diretrizes orçamentárias. Os Poderes Executivo e Judiciário já tinham pois, em 31.12.2004, prevista sua receita e fixada sua despesa, e isto por força de lei. É absolutamente óbvio, assim, que somente por força de lei nova poderia haver modificação na receita desses Poderes, diploma esse que também haveria de apontar a respectiva anulação de despesas. Vê-se, em síntese, que pretendeu o E. Tribunal de Justiça, em pleno curso do exercício financeiro, modificar – vale dizer, majorar – sua dotação orçamentária, considerando despicienda a prévia aprovação legislativa. Daí a inconstitucionalidade aqui argüida.

Por todo o exposto, o artigo 2°. da Resolução sempre aludida contrariou o artigo 167, VI e IX, da Constituição da República impondo-se sua extirpação do ordenamento jurídico.”

A medida cautelar foi deferida, por maioria, para suspender a eficácia da Resolução nº 196, de 19 de janeiro de 2005, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 24).

Após as informações (fls. 36-45), manifestaram-se o Advogado-Geral da União (fls. 47-57) e o Procurador-Geral da República (fls. 61-64).

O parecer do Ministério Público é pela procedência parcial da ação (fl. 64).

É o relatório, do qual a Secretaria distribuirá cópia aos demais Ministros desta Corte.

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR):

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que impugna a Resolução nº 196/2005 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a qual dispõe:

“Art. 1º – O recolhimento dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, dirigido ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, passa de 3,289473% para 21,052633% (3,289473% + 17,763160%).

Art. 2º O recolhimento da taxa judiciária, anteriormente procedido na Guia de Arrecadação Estadual – GARE, doravante será efetuado em GUIA DE RECOLHIMENTO própria do FUNDO ESPECIAL DE DESPESA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, somente no Banco Nossa Caixa S/A, observando-se os novos códigos de receita:

150-3 – Taxas Judiciárias referentes aos atos judiciais;

160-1 – Taxas Judiciárias – Dívida ativa;

170-8 – Taxas Judiciárias – cartas de ordem ou precatória;

180-5 – Taxas Judiciárias – petição de agravo de instrumento.”

A referida Resolução apoiou-se nas seguintes considerações:

“Considerando que a Emenda nº 45, de 8 de dezembro de 2004, incluiu um parágrafo 2º ao artigo 98 da Constituição Federal, estabelecendo que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio

dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça; Considerando que, em razão dessa Emenda, a Constituição Federal assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os

meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, inciso LXXVIII); Considerando que vêm sendo destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça 3,289473% dos emolumentos correspondentes aos custos dos serviços notariais e de registro (art. 19, inciso I, alínea “e”, da Lei Estadual nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002); Considerando que o percentual dos emolumentos considerados receita do Estado é de 17,763160%, nos termos do artigo 19, inciso I, alínea “b”, da Lei Estadual nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002; Considerando que, do montante da taxa judiciária arrecadada, 30% destinavam-se ao Poder Judiciário (21% ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça e 9% aos Fundos dos Tribunais de Alçada), 10% serviam para o custeio de diligências dos Oficiais de Justiça e o restante cabia à Fazenda do Estado (artigo 9º da Lei Estadual nº 11.608, de 29 de dezembro de 2003).”

1. Cabimento da ação direta de inconstitucionalidade contra ato infralegal de conteúdo impessoal, abstrato e genérico.

Por tratar-se de ato administrativo, editado por órgão do Poder Judiciário, consolidou-se nesta Corte entendimento segundo o qual, conquanto seja ato de natureza administrativa, pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, desde que estabeleça prescrição em caráter genérico e abstrato, conforme se depreende da ADIn 1.088/PI, rel. min. Francisco Rezek, Plenário, DJ 30.09.1994, assim ementada:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. PORTARIA 368/93. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. PEDIDO DE DESCONTO. I. PORTARIA PODE SER OBJETO DE AÇÃO DIRETA DESDE QUE ESTABELEÇA DETERMINAÇÃO EM CARÁTER GENÉRICO E ABSTRATO (PRECEDENTES DO S.T.F. ADIN 926-1, INTER-ALIA). II. AFRONTA, A PRIMEIRA VISTA, AO ARTIGO 8., INCISOS I E IV DA CARTA DA REPÚBLICA. PERICULUM IN MORA PRESENTE NA PERSPECTIVA DE QUE A DETERMINAÇÃO DA PORTARIA 368/93 VENHA A PRIVAR A ENTIDADE SINDICAL DOS RECURSOS NECESSÁRIOS A SUA MANUTENÇÃO. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA”.

Na hipótese dos autos, não resta dúvida de que a Resolução nº 196/2005 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo contém normas de caráter genérico e abstrato, estabelecendo regras para recolhimento de emolumentos relativos aos atos dos serviços notariais e de registro e taxas judiciárias no âmbito daquele Tribunal de Justiça.

2.Violação do art. 98, §2º, da Constituição Federal

O Requerente argumenta que a resolução do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao equiparar as custas e emolumentos oriundos de atividade notarial e de registro (art. 236, §2º, CF/88) aos emolumentos judiciais (disciplinados pelo art. 98, §2º, CF/88), atribuiu natureza equivocada ao instituto disciplinado, fazendo incidir o comando do art. 98, §2º, da Constituição (inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004) em situação para a qual este não seria aplicável.

Afirma que “se os emolumentos contemplados pelo artigo 98, §2º, da CF fossem efetivamente os extrajudiciais, o produto integral de sua arrecadação – e não apenas 21% dessa receita – deveria ser canalizado ao Judiciário, o que aniquilaria por completo, em escala nacional, a atividade notarial e de registro. Não foi esse, obviamente, o desiderato do constituinte derivado.” (fl. 07)

O argumento, apesar de sensibilizar, não merece adesão completa.

Uma interpretação sistemática, levando em consideração a localização do art. 98, §2º, da Constituição Federal, no capítulo do Poder Judiciário, pode corroborar a tese de que não se deve aplicar o comando constitucional aí contido aos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Nessa linha de raciocínio o referido dispositivo seria destinado tão-somente às custas e emolumentos judiciais e não poderia vincular os emolumentos decorrentes dos atos previstos no art. 236 da Constituição Federal.

Entretanto, seria difícil admitir, pela literalidade do texto constitucional que os emolumentos decorrentes de atos praticados pelos serviços notariais e de registro estão peremptoriamente fora do âmbito normativo do art. 98, §2º, da Constituição Federal. Muito pelo contrário, a leitura do referido dispositivo indica que estão nele contempladas tanto as custas e emolumentos oriundos de atividade notarial e de registro (art. 236, §2º, CF/88) quanto os emolumentos judiciais propriamente ditos.

É importante lembrar que a jurisprudência do Supremo Tribunal já se firmou no sentido de que custas e emolumentos têm a natureza jurídica de taxa (ADI 1378-ES/MC, Min. Celso de Mello, DJ 30/05/97), estando, portanto, o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos relacionados especificamente com as atividades dos serviços que remuneram.

Assim, o argumento posto, no sentido de não ser plausível a aplicação do disposto no §2º do art. 98 da CF/88, quando se trata de emolumentos concernentes aos serviços notariais e de registro, não se revela suficientemente forte para a procedência do pedido da ação direta de inconstitucionalidade.

Tampouco socorre o argumento de que a destinação determinada na Resolução do TJSP do produto da arrecadação dos emolumentos dos serviços notariais e de registro para as atividades específicas da Justiça implicaria a extinção da própria atividade das serventias extrajudiciais.

A receita remanejada pela Resolução ora atacada era destinada ao Estado de São Paulo e, não, ao custeio dos cartórios. A receita dos notários e registradores está resguardada na própria legislação estadual disciplinadora (art. 19, I,”a”, da Lei Estadual Paulista nº 11.331/02) e não era alvo da disciplina da Resolução do Tribunal de Justiça Estadual. O percentual destinado à receita dos notários e registradores está mantido e representa 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) do total arrecadado com os emolumentos específicos. O que, na verdade, se pretendeu transferir, na hipótese, foi o percentual relativo à receita do Estado decorrente do processamento de arrecadação e respectiva fiscalização (art. 19, I, “b”, da Lei Estadual Paulista nº 13.331/02).

3. Violação dos arts. 167, VI e IX, e 168 da Constituição Federal.

É este o segundo argumento trazido pelo Autor da presente ação direta: o de que a matéria em questão – destinação de receita auferida com a cobrança de taxa por serviços notariais e de registro – está sujeita a estrita reserva de lei, nos termos dos arts. 167, VI e IX, e 168 da Constituição da República.

Argumenta o Requerente: “Tendo em mente esses parâmetros constitucionais, parece evidente que a modificação da destinação da receita auferida com a cobrança da taxa judiciária, incluindo o quantum devido a diferentes fundos, é matéria sujeita a estrita reserva legal. A Resolução impugnada reconhece expressamente, de resto, a necessidade de lei para esse fim, confirmando, no quinto parágrafo de seus consideranda, que a distribuição do montante taxa judiciária arrecadada é hoje objeto de disciplina por parte de legislação local.” (fl. 07)

O argumento apresenta-se consistente e define a controvérsia instaurada.

Por certo que o Poder Judiciário goza de autonomia financeira. Entretanto, tal autonomia não autoriza aos Tribunais senão a prerrogativa de elaborar suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

Isso significa que, muito embora seja possível reconhecer o direito do Poder Judiciário à destinação vinculada dos valores recolhidos a título de emolumentos dos serviços notariais e de registro ao seu orçamento – o que justifica e robustece o sentido da modificação introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/04 ao artigo 98 da Constituição Federal de 1988, acrescentando-lhe dispositivo que viabiliza financeiramente a proposta de eficiência dos serviços judiciários, no âmbito de uma reforma do Poder Judiciário – isso não exime a obrigação de uma discussão orçamentária, que só se viabiliza por meio de lei.

Em outras palavras, muito embora seja possível admitir a destinação vinculada do produto de arrecadação dos emolumentos extrajudiciais ao Poder Judiciário, por força do art. 98, §2º, da CF/88, tal medida necessita de legislação específica.

A destinação de receita ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça não pode ser feita sem observância do que preconiza o art. 168, da Constituição Federal, verbis:

“Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, §9º.”

Outrossim, na hipótese específica dos presentes autos, o art. 167 da Constituição Federal assim dispõe:

“Art. 167. São vedados:

(…)

VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.”

Trata-se de dispositivo inserido na seção dos orçamentos, que se justifica por tornar mais rígido o controle da execução orçamentária. As programações orçamentárias são projetadas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Poder Legislativo, de modo que a lei orçamentária retrata um projeto que, em tese, está exteriorizando a vontade da sociedade, representada pelos legisladores.

A mudança de programação em sentido contrário àquilo que foi aprovado na lei orçamentária teria como conseqüência a negação de força normativa a este diploma, dando-lhe a condição de “singela sugestão de literatura jurídica, sem quaisquer outras funções que não de mero aconselhamento ao Executivo” (Ives Gandra Martins, Celso Ribeiro Bastos. Comentários à Constituição do Brasil, 6o vol., tomo II, arts. 157-169, São Paulo, Saraiva, p. 384).

Registre-se que há uma agravante na hipótese dos autos: a Resolução do Tribunal de Justiça do Estado, se vigente, revogaria dispositivo específico da Lei Estadual nº 11.331/02, a qual dispõe:

“Artigo 19 – Os emolumentos correspondem aos custos dos serviços notariais e de registro na seguinte conformidade:

I – relativamente aos atos de Notas, de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas e de Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívidas:

(…)

b) 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização;

(…)

e) 3,289473%(três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setente e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços;”

Na mesma norma estadual ainda está disposto:

“Artigo 20 – A receita do Estado, prevista na alínea “b” do inciso I do artigo 19, será destinada:

I – 74,07407%(setenta e quatro inteiros, sete mil e quatrocentos e sete centésimos de milésimos percentuais) ao Fundo de Assistência Judiciária;

II – 7,40742%(sete inteiros, quarenta mil, setecentos e quarenta centésimos de milésimos percentuais) ao custeio das diligências dos oficiais de justiça incluídas na taxa judiciária;

III – 18,51851%(dezoito inteiros, cinqüenta e um mil, oitocentos e cinqüenta e um centésimos de milésimos percentuais) à Fazenda do Estado.”

Portanto, esteja ou não dando cumprimento ao § 2º do art. 98 da Constituição da República, os art. 1º e 2º da Resolução nº 196, de 2005, do Tribunal de Justiça de São Paulo, devem ser declarados inconstitucionais, por promoverem a transferência de recursos para o fundo do Poder Judiciário, sem prévia autorização legislativa. Trata-se de inconstitucionalidade formal evidente.

Em termos práticos, a referida Resolução do Tribunal de Justiça do Estado implicou, a pretexto de cumprir o comando do art. 98, §2º, da Constituição Federal de 1988, o remananejamento de verbas do Poder Executivo para o Poder Judiciário, sem observar a exigência da prévia autorização legislativa, bem como a alocação de recursos para o Poder Judiciário, sem que fossem respeitadas as dotações orçamentárias, em clara afronta aos arts. 167, VI, e 168 da Constituição Federal, com o agravante de que uma resolução pretendia revogar norma estadual que disciplinava a matéria de forma diversa.

4. Conclusão.

Nesses termos, confirmo a liminar, para declarar inconstitucional a Resolução nº 196 de 27 de janeiro de 2005 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por afrontar os arts. 167, VI, e 168 da Constituição Federal.

VOTO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: – Senhora Presidente, também acompanho o eminente Ministro-Relator para considerar inconstitucionais os artigos 1º e 2º da Resolução do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, porque entrevejo ofensa ao princípio da reserva legal, seja no tocante à alteração de valores destinados aos cofres do Poder Judiciário paulista, seja quanto à transposição de verba de caráter orçamentário por meio de mero ato administrativo.

Entretanto, gostaria, também, Senhora Presidente, de deixar consignado que não vou tão longe, como preconizado pelo Governo do Estado de São Paulo, a ponto de considerar que os emolumentos mencionados no § 2º do artigo 98 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, não contemplem aqueles recolhidos pela prestação de serviços notariais e de registro. Isto porque, Senhora Presidente, o artigo 206 da Constituição estabelece, em seu § 1º, expressamente, que tais atos serão fiscalizados pelo Poder Judiciário.

Ora, não se pode tirar do § 2º do artigo 98 da Constituição Federal, que estabelece “que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça.”, a conclusão de que essa redação retira do Poder Judiciário qualquer remuneração pela fiscalização de serviços notariais e de registros. A fiscalização das atividades registrais e notariais, embora, à evidência, não constitua ato jurisdicional em sentido estrito, configura, por força da própria Constituição, inequivocamente, atividade específica e bastante onerosa da Justiça. Por isso seria estranho imaginar que ela possa desenvolver-se sem qualquer contrapartida, sem qualquer fonte de custeio. Isto até em consonância com o que foi decidido, agora, na ADI nº 2.129, do Mato Grosso do Sul.

Portanto, Senhora Presidente, acompanho, pelos mesmos fundamentos, o voto do eminente Ministro-Relator para considerar inconstitucionais os artigos 1º e 2º da Resolução do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, exclusivamente pelo argumento da inconstitucionalidade formal, com as ressalvas que fiz.

VOTO

O SENHOR MINISTRO EROS GRAU: – Senhor Presidente, acompanho o voto do Ministro-Relator pelos seus próprios fundamentos.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Senhor Presidente, quando da assentada de 3/02/2005, tive oportunidade de dizer que a Resolução impugnada, de fato, havia aumentado o percentual de emolumentos, a título de taxa de polícia, além de redirecionar o respectivo recolhimento. Manifestei meu entendimento de que, num sentido como no outro, era preciso lei formal. A Resolução não tem força normativa para tanto.

Fiz também uma interpretação do § 2º do artigo 98 da Constituição Federal, já com a redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, na linha do voto do eminente Relator, dizendo que:

“Materialmente, não há confundir os emolumentos que são cobrados pela serventia – vamos chamar extraforense – com os emolumentos cobrados pelas serventias judiciais ou oficiais.(…) a nova disposição constitucional, o inciso II do parágrafo único do art. 98 da Constituição, (…) convive com o art. 236 da Constituição” – que não sofreu nenhuma alteração.

“Se convive com o art. 236, implica mesmo distinguir, materialmente, emolumentos que procedem de serventias judiciais e emolumentos procedentes de serviços prestados por serventias extrajudiciais.

Então, não há como se apropriar dos emolumentos resultantes das atividades notariais e de registros”(…) – por efeito de uma simples resolução do tribunal, haveria necessidade de lei.

Senhor Presidente, acompanho o voto do eminente Relator.

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À REVISÃO DE APARTES DOS SENHORES MINISTROS GILMAR MENDES (RELATOR) E CARLOS BRITTO.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Senhor Presidente, a meu ver, está em jogo, aqui, mais do que a inconstitucionalidade formal, mais do que uma questão de pagamento, ou seja, como se vai pagar a verba prevista como novidade. Está em jogo a titularidade da verba.

Recordo-me bem do julgamento desta cautelar, quando o Procurador-Geral – que nos deu a honra de comparecer para fazer a sustentação oral – disse que, no Estado de São Paulo, isso sempre foi verba do Poder Judiciário. Tal postura queria significar que não se alteraria em nada, com o § 2º introduzido pela Emenda ao artigo 98, a situação orçamentária do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, como não se tratasse de manifesta novidade, como não se tratasse de acréscimo destinado a reforçar as finanças do Poder Judiciário.

É a esse respeito que a decisão de hoje deve ser clara.

Se bem entendi o seu voto, Ministro Gilmar Mendes, Vossa Excelência diz textualmente que tanto as custas quanto os emolumentos, sejam eles judiciais ou extrajudiciais, estão compreendidos pelo artigo 98, § 2º.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) – Sim, não quero assumir compromisso com a tese que sustento, que é o primeiro argumento.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Exatamente, até porque, como julgamos há pouco, se cuida de taxa devida por serviço prestado apenas pelo Poder Judiciário. Em relação aos serviços notariais, o Executivo não presta atividade nenhuma que justifique reconhecer-lhe alguma participação nessa taxa. Nada. Desde a administração dos concursos até a fiscalização das atividades notarias de registro, todas são exercidas pelo Poder Judiciário. Portanto, a nenhum título se pode imputar essa taxa ao Poder Executivo.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO – Se Vossa Excelência me permite em reforço ao seu ponto de vista, há uma ilusão semântica quando se diz que a taxa em São Paulo, anteriormente a essa Resolução, era direcionada para os serviços de assistência judiciária. Assistência judiciária, aí, não como função do Poder Judiciário, mas do Poder Executivo, traduzida essa assistência na manutenção da Defensoria Pública.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Até porque o artigo 98, § 2º, está inserido no capítulo específico do Poder Judiciário. Como é de hábito na redação parlamentar, quando esta se refere à Justiça, quer significar especificamente, por outras palavras, o Poder Judiciário.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) – No caso de Mato Grosso que julgamos em outra assentada, o Ministro Sepúlveda Pertence, salvo engano, até ressaltou o aspecto quanto à iniciativa dessas leis, pois se discutiu se o Poder Judiciário poderia ter a iniciativa, e entendeu-se que era uma iniciativa implícita do Poder Judiciário, dada a competência.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO – Bem lembrado.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – É o que gostaria que ficasse claro. A mim me parece secundário como deva ser paga a verba, se diretamente em depósito no Fundo Especial do Tribunal de Justiça ou se será paga na forma do artigo 168, mediante duodécimo.

Isso me parece irrelevante. O importante é o Poder Executivo destinar, nos termos da Constituição, essa verba ao Poder Judiciário, sem valer-se de pretexto de que se trata de verba da qual o Executivo também participe. Gostaria que isso ficasse claro neste julgamento.

A tese da Fazenda não é tanto a inconstitucionalidade formal, senão de que não se trataria de verba exclusiva do Poder Judiciário a do artigo 98, § 2º. Creio que o Tribunal deva reconhecer textualmente que sim, que pertence apenas ao Poder Judiciário.

O meu voto é neste sentido: acompanho o voto de Sua Excelência, declarando, antes, que a verba é devida exclusivamente ao Poder Judiciário, na forma do artigo 168, neste caso específico.

Já havia adiantado, no julgamento da cautelar, que não posso concordar com a Resolução, porque altera, por meio de ato normativo de categoria inferior, um fundo regido por lei especial no Estado de São Paulo. Neste ponto, concordo com o voto de Sua Excelência. Mas deixo clara a tese de que a verba do artigo 98, § 2º, compreende não apenas as custas judiciais, mas, também, os emolumentos extrajudiciais, que devem ser pagos na forma do artigo 168.

É como voto.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, quanto ao artigo 1º, reitero – também adotando o voto do relator concernente ao vício formal, a inexistência de lei – o que tenho sustentado sobre o alcance do artigo 236 da Constituição Federal e, também, dos dispositivos da Carta sobre o orçamento, o funcionamento do Judiciário como atividade precípua do Estado.

Penso que, considerada a atividade privada exercida pelos notários e registradores, versada no referido artigo 236, não cabe retirar, do que eles cobram pelos serviços, uma percentagem, para prover despesa de tribunal de justiça. Eis é o preceito atacado:

Artigo 1º O recolhimento dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registros, dirigido ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, passa […]

Reafirmo que ou o Estado faz funcionar o Judiciário a partir dos impostos recolhidos pelos cidadãos ou não faz. Então, estaremos em uma quadra realmente muito difícil e em tempos – parafraseando o título de certo romance – estranhos.

Concluo pela inconstitucionalidade formal e material do preceito.

Surge o problema alusivo ao artigo 2º, decorrente da redação dada ao artigo 98 da Carta Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Por meio dessa emenda, o texto do antigo parágrafo único passou a ser o do § 1º e foi inserido o § 2º:

§ 2º As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça.

Está expressa, em bom vernáculo, até mesmo mediante o advérbio de modo “exclusivamente”, a destinação das custas e emolumentos, ou seja, ao Judiciário, às atividades específicas da Justiça.

Não posso, sob pena de adentrar o campo da incoerência, entender que os emolumentos mencionados são aqueles cobrados a partir do serviço dito “privado”, consoante o disposto no artigo 236 da Constituição Federal. O preceito remete, necessariamente, ao que é devido em termos de atuação do Judiciário e não de atuação dos cartórios notariais e de registro.

De qualquer forma, ressalto esse modo de pensar sobre o alcance do § 2º do artigo 98 – concordo inteiramente com o ministro Cezar Peluso quando afirma o objetivo único da norma relativa à arrecadação.

Tenho que, no caso, não incumbia ao próprio Tribunal de Justiça a disciplina da matéria, mesmo porque, para mim, aqui, há norma repercutindo no grande todo que é o orçamento – imaginando-se, evidentemente, que o que recolhido como custas e emolumentos até suplante a dotação orçamentária prevista para o Judiciário.

Nesses termos, acompanho o relator e declaro inconstitucional a resolução.

VOTO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE) – Fiquei vencido no exame da medida cautelar quanto ao artigo 2º.

Confesso, entretanto, que o reexame do caso e acompanhamento do voto do eminente Relator me convencem de que a inconstitucionalidade formal é inarredável.

Por isso, acompanho o voto do eminente Relator para declarar a inconstitucionalidade de ambos os dispositivos, que envolvem toda a Resolução, subscrevendo, no entanto, na linha, aliás, das ponderações que fiz no julgamento cautelar, as observações do eminente Ministro Cezar Peluso.

DECISÃO

O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta por inconstitucionalidade formal, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, I do RISTF). Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente) e o Senhor Ministro Celso de Mello. Falou pelo requerente o Dr. Juan Francisco Carpenter. Plenário, 26.04.2006.

Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (artigo 37, I, do RISTF). Presentes à sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.

Luiz Tomimatsu – Secretário