8 de maio de 2006

Civil. Bem de família. Impenhorabilidade. Possibilidade de renúncia em situações excepcionais.

RECURSO ESPECIAL N.º 554.622/RS

Rel.: Min. Ari Pargendler

EMENTA

Civil. Bem de família. Lei n.º 8.009, de 1990.

A impenhorabilidade resultante do art. 1.º da Lei n.º 8.009, de 1990, pode ser objeto de renúncia válida em situações excepcionais; prevalência do princípio da boa-fé objetiva. Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 01/02/06)

Nos autos de ação de execução fundada em título extrajudicial proposta por J.D.P. e outros, J.E.V.M. e sua esposa, M.L.B., requereram a decretação da nulidade da penhora, “vez que o bem constrito é absolutamente impenhorável, por força do disposto na Lei 8.009/90”.

O MM. Juiz de Direito realizou audiência justificação, na qual ouviu os devedores e uma testemunha, e indeferiu o pedido.

A decisão foi atacada por agravo de instrumento, a que o tribunal a quo negou provimento nos termos do acórdão assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPORCIONALIDADE DA LESÃO. IMPENHORABILIDADE. NÃO-INCIDÊNCIA. RENÚNCIA LIVRE E ESPONTNEA PERANTE TABELIÃO. Não configurado qualquer vício de vontade, mormente porque os agravantes são engenheiros civis, pessoas bem esclarecidas, é de ser mantida a renúncia ao benefício da impenhorabilidade proferida, em escritura pública, perante Tabelião. A lei da impenhorabilidade sofre temperamentos, em especial quanto aos casos em que as partes de forma livre e consciente renunciam ao benefício legal. Agravo improvido”

J.E.V.M. e sua mulher, M.L.B., interpuseram recurso especial, com base no art. 105, inc. III, letras a e c, da Constituição Federal, por violação dos arts. 1.º e 3.º da Lei n.º 8.009, de 1990, e por divergência jurisprudencial.

Na instância extraordinária a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Ari Pargendler, não conheceu do recurso, conforme consta do voto do Relator:

Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator):

Pela letra “c”, o recurso especial não pode prosperar; a situação sub judice é realmente excepcional, difícil de se reproduzir.

Pela letra “a”, o tema pode ser examinado, porque prequestionado, tal como se lê no seguinte trecho do acórdão:

“Costumo afirmar que o espírito da lei da impenhorabilidade visa à proteção da entidade familiar, não apenas de um ou de outro membro deste núcleo” (fl. 91).

Induvidosamente, o comentário alude à Lei n.º 8.099, de 1990, basicamente ao seu art. 1.º – e, na aparência, o recurso especial está bem fundado porque o benefício instituído pela aludida norma é de ordem pública.

Tudo tem limites, todavia, e nenhum regramento genérico pode ser aplicado em concreto se contrariar o princípio da boa-fé objetiva, tal como demonstrado pelo tribunal a quo, Relator o Desembargador Guinther Spode:

“No caso concreto, estamos diante de um casal de Engenheiros Civis, pessoas maiores, capazes e pertencentes a uma casta intelectual de pouco mais de 2% da população brasileira. Longe estão de serem reputadas pessoas ingênuas, de poucas luzes e que se deixam ludibriar com facilidade. Mais. O ato que imputam de nulo foi lavrado por escritura pública, perante Tabelião, cujo qual portou por fé o documento. Significa dizer que o instrumento que dá suporte à pretensão executiva dos agravados não foi confeccionado em um escritório qualquer, suprimindo-se dos agravantes a transparência e liberdade volitiva contratual.

Os agravantes compareceram espontaneamente à serventia e lá, perante o Tabelião, expressaram as suas vontades, de forma livre e consciente.

Especial destaque deve ser dado ao teor da cláusula nona da escritura pública. Está ela assim expressa:

“NONO Presentes também a este ato, Walton Luiz Willeker, engenheiro civil e sua esposa, Mara Lúcia Brenner, engenheira civil, … omissis … os quais, neste instrumento, constituem-se FIADORES e principais pagadores com responsabilidade solidária, de todas as obrigações assumidas pela outorgante devedora, obrigando-se, por si, seus herdeiros e sucessores, a qualquer título, com todos os seus bens e haveres a fazer a presente boa, firme e valiosa, por todo o tempo em que perdurarem as obrigações da outorgante devedora junto aos outorgados credores, renunciando, assim, expressamente, às faculdades previstas nos artigos 1.491, 1.550 e 1.503 do Código Civil Brasileiro e artigo 262 do Código Comercial Brasileiro, bem como o direito da impenhorabilidade garantido pela Lei n.º 8.009, de 29 de março de 1990, eis que a fiança ora outorgada prevalecerá por todo o tempo em que subsistirem as obrigações afiançadas até sua total liquidação …” (o negrito é do texto do acórdão).

Como se vê, os agravantes, frise-se, de maneira livre e espontânea dirigiram-se ao Ofício Distrital e lá manifestaram sua vontade. Inexiste sequer alegação de vício de vontade.

Neste passo, forçoso salientar, que os agravantes buscam mesmo é o benefício legal de garantia à residência familiar, olvidando-se de que, ainda que por via oblíqua, foram os responsáveis por deixarem os agravados sem residência. Incide aqui, como bem lembrado pelo defensor dos agravados, o princípio da proporcionalidade. Os agravados, por força de atos dos executados, foram alijados de sua residência. Os agravantes buscam a proteção de sua residência. Ocorre que, conforme já afirmado, os agravados vieram a perder a residência por força de atos dos executados, fato este que afasta a incidência do benefício legal” (fl. 91/93).

Nada mais é preciso dizer para manter o acórdão.

Voto, por isso, no sentido de não conhecer do recurso especial.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho e Humberto Gomes de Barros.