9 de fevereiro de 2006

Retificação de área – Aumento considerável – Possibilidade com a concordância dos confrontantes

– Atuando o Ministério Público como fiscal da lei no procedimento de retificação de área, possui ele legitimidade para recorrer, nos termos do art. 499, SS 2º, do CPC.

– Tratando-se de procedimento de retificação de área, em que a parte autora pretende unicamente a correção do equivocado registro do imóvel, sem alteração de suas divisas e, via de conseqüência, sem prejuízo aos lindeiros, os quais manifestaram sua expressa concordância, sem qualquer oposição ou impugnação, não há que se falar em extinção do feito e remessa das partes às vias ordinárias, sendo de se julgar procedente o pedido.

Apelação Cível nº 1.0672.02.099176-2/001 – Comarca de Sete Lagoas – Relator: Des. Edivaldo George dos Santos

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminar e negar provimento.

Belo Horizonte, 19 de abril de 2005. – Edivaldo George dos Santos – Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

O Sr. Des. Edivaldo George dos Santos – Cuida-se de procedimento de retificação de área, intentado por Ângela dos Santos Menezes e Raimundo Santos Menezes, o qual foi julgado procedente pelo r. Juiz de primeiro grau, determinando a alteração do registro do imóvel, como pedido, com o que não se conforma o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, aviando, então, recurso de apelação, alegando, em síntese, que a ação de retificação de registro tem caráter de direito real; que a retificação pretendida ensejaria aumento na área do imóvel, ampliando-a para quase o dobro da atual, ofendendo o art. 1.136, parágrafo único, do Código Civil, pugnando, então, pelo provimento do recurso.

Alegam os apelados que o Ministério Público não teria legitimidade para interpor o presente recurso, tendo em vista que se trata de procedimento de jurisdição voluntária, em que descabe sua intervenção:

Preliminarmente.

Falta de legitimidade recursal.

Alegam os apelados que o Ministério Público seria "parte ilegítima" para a interposição do presente recurso. Contudo, não vislumbro a falta de interesse recursal por parte do apelante.

Sabe-se que a retificação de registro é verdadeiro procedimento administrativo judicializado. Sendo assim, não é regido pelas regras do Código de Processo Civil atinentes à jurisdição voluntária, mas, sim, por aquelas contidas na legislação especial, que, in casu, é a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). Inclusive, o art. 213 da mencionada lei, a par de disciplinar o procedimento, prevê, expressamente, a intervenção do órgão ministerial como fiscal da lei, como se colhe do parágrafo terceiro do mencionado artigo:

"SS 3º. O Ministério Público será ouvido no pedido de retificação".

É cediço, também, que, atuando como fiscal da lei, o MP detém interesse recursal, conforme leciona o Mestre Humberto Theodoro Júnior:

"O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte como naqueles em que oficiou como fiscal da lei (art. 499, SS 2º).

O atual Código, como se vê, eliminou a controvérsia quanto à admissibilidade do recurso do Ministério Público também nos casos em que funciona como custos legis" (in "Curso de Direito Processual Civil", v. I, 39ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 508)

Com tais considerações, rejeito a preliminar e conheço do recurso ministerial, visto que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Mérito.

Contudo, quanto ao mérito, vislumbro não assistir razão ao recorrente:

Todos os confrontantes e alienantes manifestaram, de forma expressa, sua inequívoca concordância com a pretensão inicial, conforme docs. de fls. 18/22, o que denota que a procedência da presente ação não lhes acarreta qualquer alteração ou desrespeito às divisas existentes e que não lhes causa prejuízo.

Atendendo à determinação do Juízo (fls. 30), os autores carrearam aos autos, também, memória de cálculo analítica da área referente ao memorial descritivo (fls. 32 e 46/47).

Os autores não pretendem alterar as divisas de seu imóvel, apenas pretendem que o registro do mesmo corresponda à realidade fática, não implicando prejuízo a terceiros, como já dito. Com o brilhantismo de sempre, Serpa Lopes ensina que:

"… sempre que se possa provar a desconformidade entre o estado jurídico exterior aparente com o real, é justo que se altere esse mesmo registro, fazendo-o enquadrar-se dentro da realidade" (in "Tratado dos Registros Públicos", v. IV, p. 344).

Vejo, assim, que a insurgência do recorrente não é fundamentada e que a pretensão inicial não foge aos preceitos contidos no art. 213 da Lei nº 6.015/73 e no art. 860 do Código Civil de 1916, aplicável à hipótese dos autos, nem tampouco desatende ao disposto no art. 1.136 do CC/1916.

Não se trata aqui de pretensão aquisitiva de propriedade. O registro do imóvel está equivocado e só. Não há por que remeter os autores às vias ordinárias, se já são proprietários do imóvel. Caso propusessem uma ação de usucapião, aí sim não teriam interesse de agir. A sua pretensão é intramuros, não atingindo propriedades alheias.

O conjunto probatório contido nos autos é totalmente favorável aos recorridos.

Por questão de lógica, economia e celeridade processual, o processado há que subsistir. O SS 4º do art. 213 da Lei de Registros Públicos manda remeter as partes às vias ordinárias quando houver impugnação fundamentada, o que não se verifica no caso vertente.

Trago à colação a jurisprudência firmada pelo colendo STJ, a respeito:

"Ementa: Registro de imóveis. Retificação de área. – É possível o processamento do pedido na forma do art. 213 da Lei 6.015/73. Recurso conhecido e provido" (STJ – 4ª Turma, REsp nº 146.631-CE, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v.u.; DJ de 30.04.2001).

Por fim, observe-se que as divisas do imóvel são respeitadas pelos lindeiros, assim como a retificação ora pretendida as mantém inalteradas, sendo perfeitamente cabível o presente procedimento. Ou seja, como já reiteradamente afirmado, o procedimento não acarreta qualquer prejuízo aos interessados.

Corroborando a assertiva supra, cito a ementa do voto proferido pelo eminente Ministro Athos Carneiro, também integrante da 4ª Turma do colendo STJ, no julgamento do REsp nº 9.297-RJ, citado no REsp nº 146.631, acima referido:

"Retificação do registro imobiliário. Lei 6.015. Artigo 213. Oposição apresentada pelo ‘condomínio’ onde se encontra o terreno cuja área se pretende retificar no assento imobiliário. – As partes devem ser remetidas às vias ordinárias se o pedido de retificação em jurisdição voluntária for impugnado fundamentadamente, por interessado legítimo. Não assim, todavia, se a prova dos autos demonstra que o pedido visou apenas adequar o título às reais dimensões do terreno, devidamente cercado e murado, sem prejuízo algum do condomínio impugnante, sem invasão de imóvel lindeiro nem de área comum dos condôminos. Neste caso, o procedimento em jurisdição voluntária apresenta-se adequado, coerentemente com a tendência de simplificação e eficiência que deve prevalecer no moderno sistema legal brasileiro" (grifei).

É aplicável ao caso o preceito do art. 860 do mesmo código, junto com os preceitos pertinentes da Lei de Registros Públicos. Por oportuno, cito o seguinte julgado, da lavra do eminente Desembargador Hyparco Immesi:

"Ementa: Registro público – Retificação de área adquirida via doação ‘ad corpus’ – Substancial aumento numérico da área – Fato irrelevante e superado pela expressa e unânime anuência dos confrontantes – Possibilidade jurídica do pedido – Inoportunidade da extinção do processo sem julgamento do mérito. – Se feita pela modalidade ‘ad corpus’ a doação, fica claro que esta se deu como coisa certa e discriminada, o que torna apenas enunciativa ou descritiva a menção às dimensões da respectiva área. Se a área retificanda foi adquirida por doação ‘ad corpus’, embora constatada, posteriormente, discrepância numérica entre a declarada e a apurada em levantamento técnico, viável se torna a retificação pretendida, sendo irrelevante e superado o fato de seu aumento (dela, área) ser tido à conta de substancial, mormente se os confrontantes, citados regularmente, manifestaram, à unanimidade, anuência expressa à pretensão. Via de conseqüência, inoportuna se torna a prematura extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido. ‘Per altera facie’, se determinada área, adquirida como corpo certo (doação ‘ad corpus’) e delimitada por divisas certas e respeitadas pelos confrontantes, mas o respectivo registro não reflete sua real extensão, não há como impedir ou interromper a postulada retificação, sob pena de negação de vigência aos arts. 860 do Código Civil e 212 da Lei nº 6.015/73. Ademais, na aquisição ‘ad corpus’ os direitos inerentes ao imóvel devem corresponder à sua área como ela é, e não como está mencionada no registro, havendo de prevalecer a realidade fática sobre a declarativa" (TJMG – 4ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 196.027-7, DJ de 21.03.2002).

Veja-se, ainda:

"Para o fim de retificação de inscrição, não importa que seja grande a diferença entre a realidade da área de terra e a constante do registro de imóveis. O art. 860 do Código Civil não faz nenhuma limitação, para que seja possível a retificação" (RT, 440/130).

Como bem dito pelo Julgador monocrático, "não havendo prejuízo para terceiros, nem sendo alterados os limites das linhas divisórias, obedecendo-se, rigorosamente, a posse existente há muito anos, o pedido inicial pode ser deferido. A finalidade, única e exclusiva, deste procedimento é alterar a área, que era de 45,65ha, passando a constar do teor do registro, o total de 71,822 ha, obedecidos os mesmos limites da propriedade, sem prejuízo para terceiros e confrontantes".

Com tais considerações, nego provimento ao apelo e mantenho íntegra a bem-lançada sentença de primeiro grau.

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Wander Marotta e Alvim Soares.

Súmula – REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.