26 de janeiro de 2006
Jurisprudência: Direito civil – Doação Mandato com ausência de poderes específicos para prática do ato Nulidade
EMENTA
Civil. Recurso especial. Doação praticada por ex-marido com o uso de mandato conferido pela esposa durante a vivência conjugal. Ausência de poderes específicos para a prática do ato. Nulidade. – Ausente o prequestionamento, não há que se conhecer da alegada violação a lei federal. – Reconhece-se a existência da vontade de doar, por parte do mandante, apenas quando do instrumento de mandato constar, expressamente, a individualização do bem e o beneficiário da liberalidade, sendo insuficiente a cláusula que confere poderes genéricos para a prática do ato jurídico. Recurso especial ao qual se nega provimento. (STJ – 3ª Turma – Resp nº 503.675-SP; v.u.)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial, mas lhe negar provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito.
Brasília (DF), 3 de maio de 2005(data do julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI – Presidente e Relatora
RELATÓRIO
Recurso especial interposto por ALEXANDRE CARNEIRO DA SILVA E OUTROS, contra acórdão proferido pelo TJSP, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional.
Ação: declaratória de nulidade de ato jurídico, movida por MARIA LÚCIA GREGOURT CARVALHERO DA SILVA E OUTROS contra os recorrentes.
Os autores pretendem ver desconstituídas duas doações realizadas pelo recorrente ALEXANDRE a sua mãe e a seu irmão, estes que também figuram no pólo passivo do processo, já às vésperas do término do casamento do varão com a ora recorrida MARIA LÚCIA.
Tais doações, nos termos da inicial, ofenderiam a legítima dos filhos do casal e as normas atinentes ao contrato de doação, porquanto no mandato usado pelo recorrente para prescindir da autorização expressa de sua ex-esposa constavam apenas poderes genéricos para administração do patrimônio do casal; inexistiriam poderes específicos para a prática dessa liberalidade, uma vez que não há individualização dos bens a serem doados e, tampouco, do donatário ao qual se destinavam.
Ademais, o mandato teria sido outorgado pela esposa há mais de dez anos da prática do ato, quando ainda havia relação de confiança entre o casal.
Sentença: julgou procedente o pedido, assim como a medida cautelar de seqüestro, para declarar nulas as doações praticadas, ao argumento de que "(…) a melhor doutrina exige que, na liberalidade, o animus donandi seja essencial. E ele existirá tão-somente se for mencionado na procuração o donatário a quem o doador quer beneficiar e o bem a ser doado" (fls. 158).
Embargos de declaração: rejeitados.
Acórdão: o TJSP negou provimento à apelação dos ora recorrentes, com a seguinte ementa:
"DOAÇÃO – Nulidade – Caracterização – Liberalidade feita por procuração – Mandato outorgado pela mulher ao ex-marido que doou bens à mãe e ao irmão – Interpretação restritiva dos poderes conferidos em sede de mandato – Requisito da especialidade – Necessidade de poderes especiais e expressos, designando a coisa e o seu beneficiário para cuja doação se conferiu poder de representação – Ausência do elemento subjetivo, "animus donandi", indispensável à caracterização da doação – Inteligência dos arts. 1.295, § 1º, 235, IV, 242, 1.165 e 1.175, todos do Código Civil – Recurso não provido" (fls. 225).
Em adendo à argumentação anteriormente expendida na sentença, o TJSP consignou que "(…) não se pode olvidar a regra da interpretação restritiva dos poderes conferidos em sede de mandato" (fls. 227).
Embargos de declaração: rejeitados, por possuírem caráter nitidamente infringente.
Recurso especial: alega violação:
a) ao art. 1295, § 1º, do CC/16, porque a exigência de individualização do bem a ser doado e do donatário, no caso concreto, vai além do que se entende pela exigência de "poderes especiais e expressos" no mandato para a prática da doação;
b) ao art. 1175 do CC/16, porquanto infundada a alegação de que a doação praticada impossibilitaria a subsistência dos doadores;
c) aos arts. 1181 e 145 do CC/16, além de dissídio jurisprudencial, pois inexistentes a possibilidade de revogação da doação por excesso de mandato e a comprovação de defeito do ato jurídico; e d) ao art. 1318 do CC/16, que ressalva os direitos de terceiros de boa-fé no caso de revogação do mandato.
É o relato do necessário. Decide-se.
VOTO
a) Do prequestionamento
As alegações de violação aos arts. 1181, 1318 e 145 do CC/16 não podem ser conhecidas, porquanto ausente o prequestionamento da matéria suscitada.
De se notar que, uma vez opostos embargos de declaração com objetivo de possibilitar o acesso do recorrente às instâncias superiores, e rejeitados estes, não houve veiculação, no recurso especial, de violação ao art. 535 do CPC.
Quanto à alegada violação ao art. 1175 do CC/16, verifica-se que o acórdão recorrido mencionou tal artigo, que proíbe a doação universal do patrimônio de doador para evitar liberalidades excessivas, apenas no sentido de aclarar a impossibilidade de concessão de poderes de maneira ilimitada ao outorgante, ou seja, para aclarar a invalidade daquilo que nomeou "mandato geral de doar" (fls. 227).
Não há menção, no acórdão recorrido, à questão da reserva de bens no caso concreto. Tal assunto não foi tratado pelo acórdão recorrido, de modo que, embora tenha ocorrido a citação numérica ao artigo supra citado no corpo do acórdão, não há que se reconhecer, igualmente, o prequestionamento do tema.
b) Da extensão dos poderes conferidos no mandato
Cinge-se a controvérsia ao reconhecimento da nulidade de doação praticada por um cônjuge que faz uso, para tanto, de mandato pelo outro concedido, do qual não constam a individualização dos bens e tampouco a determinação do donatário.
Da cópia do mandato juntado aos autos a fls. 99, verifica-se que a recorrida concedeu ao então marido, em 30/09/87, "(…) amplos, gerais e ilimitados poderes para gerir e administrar todos os bens, negócios, direitos e interesses da outorgante e do casal", constando autorização genérica para a prática dos mais diversos atos jurídicos, dentre os quais, doar e receber doações.
Fazendo uso dessa autorização genérica, o recorrente doou dois imóveis ao seu irmão e à sua mãe, já em 17/12/96, ou seja, quando passados praticamente dez anos da outorga dos poderes de que fez uso, e quase um ano após ter abandonado o lar conjugal, o que ocorreu em 30/12/95.
Esta 3ª Turma do STJ já teve oportunidade de analisar caso idêntico ao presente, relatado pelo i. Min. Waldemar Zveiter (REsp nº 31392/SP, DJ de 16.02.98), assim ementado:
"CIVIL E PROCESSUAL – DOAÇÃO – IMÓVEL – MANDADO – PODERES EXPRESSOS E ESPECIAIS. I – TRATANDO-SE DE ATO TÍPICO DE ALIENAÇÃO, QUE TRANSCENDE DA ADMINISTRAÇÃO ORDINÁRIA, A DOAÇÃO EXIGE A OUTORGA DE PODERES ESPECIAIS E EXPRESSOS. II – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO"
Do corpo da decisão, que reformou o julgamento de segundo grau, extrai-se que "(…) na doutrina, PONTES DE MIRANDA, ORLANDO GOMES, SERPA LOPES, CARVALHO SANTOS e AGOSTINHO ALVIM, são uniformes na compreensão de que "em regra o mandato é admissível para a prática de atos jurídicos, e a doação não foge a regra geral", reconhecendo-se todavia, "não ser suficiente um mandato com poderes para alienar, nem mesmo que se especifique que eles abrangem a doação. O animus donandi é essencial; e ele só existe se for mencionado na procuração o donatário a quem o doador quer beneficiar, não bastando o animus donandi indeterminado. Também o objeto da doação precisa ser especificado. Assim não fosse, a escolha daquele a quem deva ser doado e daquilo que deve ser doado ficaria no arbítrio do mandatário".
No mesmo sentido, o voto-vista do i. Min. Menezes Direito no REsp nº 79.660/RS, citado na mesma decisão.
O art. 1295, § 1º, do CC/16 exigia poderes especiais e expressos para alienar, hipotecar, transigir ou praticar quaisquer outros atos que exorbitassem a esfera da administração ordinária.
Como ato de disposição que é, nos termos do art. 1165 do CC/16, para a validade da doação "(…) carecem de poderes especiais e expressos os mandatos para: a) fazer doações; b) aceitar doações; c) recusar doações" , segundo De Plácido e Silva, em monografia sobre o assunto ("Tratado do mandato e prática das procurações". Rio de Janeiro: Forense, 1989, Vol. 1, pág. 274), uma vez que o poder especial é fixado pela determinação ou pela indicação do ato ou negócio.
Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial, mas NEGO-LHE PROVIMENTO.