1 de julho de 2009

Jurisprudência Civil: Administrativo. Concurso público. Cartório. Candidatos a ingresso. Inexistência de direito à escolha de vagas na inscrição do concurso.

AgRg no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 28.424 – SC (2008/0272681-0)

RELATOR: MINISTRO HUMBERTO MARTINS

AGRAVANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA

PROCURADOR: REINALDO PEREIRA E SILVA E OUTRO(S)

AGRAVADO: ANA MARIA CIRILO E OUTROS

ADVOGADO: VINÍCIUS MARCELO BORGES E OUTRO(S)

ASSIST.LIT: ANOREG- BR

EMENTA

ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – CARTÓRIO – CANDIDATOS A INGRESSO – INEXISTÊNCIA DE DIREITO À ESCOLHA DE VAGAS NA INSCRIÇÃO DO CONCURSO – MERA EXPECTATIVA DE DIREITO – FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – REPROVAÇÃO DE TODOS OS IMPETRANTES NA PRIMEIRA FASE DO CONCURSO POR INSUFICIÊNCIA TÉCNICA – PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO PROVIDO PARA REVOGAR A LIMINAR CONCEDIDA.

DECISÃO

Vistos.

Cuida-se de agravo regimental interposto pelo ESTADO DE SANTA CATARINA em face de decisão, de minha lavra, que concedeu liminar em sede recursal para sustar o andamento do concurso público para ingresso nas atividades notarial e de registro no Estado de Santa Catarina, cuja ementa é a seguinte:

"ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – CARTÓRIO – EQUÍVOCOS NAS DATAS DE VACÂNCIAS – REFLEXOS NA DEFINIÇÃO DA FORMA DE PROVIMENTO – INGRESSO OU REMOÇÃO – ART. 16 DA LEI 8.935/94 – PARECER DO MP ESTADUAL E FEDERAL PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL – LIMINAR CONCEDIDA PARA SUSPENDER O CONCURSO PÚBLICO ATÉ FINAL DECISÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR DEFERIDA."

O Estado de Santa Catarina alega, em seu agravo regimental, as seguintes razões para a revogação da liminar concedida:

– os impetrantes, que se inscreveram no concurso público, foram reprovados, "não conseguindo obter aprovação para permanecerem com expectativas de sucesso ";

– "como se inscreveram para a modalidade INGRESSO, não podiam fazer escolha de qualquer serventia no Estado ";

– "a alteração poderia trazer potencial prejuízo àqueles que pudessem ser candidatos na forma de remoção, pois, esses sim, candidatam-se a uma unidade específica ";

– "falta aos impetrantes legitimidade para figurar no pólo ativo da presente demanda, pois não poderiam estar buscando a anulação de certame que sequer foram aprovados, alegando que prejuízo que não lhes caberia de qualquer forma, uma vez que foram reprovados na etapa preliminar do concurso ";

– não pode prevalecer o entendimento de que "foi causado prejuízo, também, a potenciais candidatos que poderiam se inscrever e, não teriam feito, em razão de que não detinham interesse sobre as serventias ofertadas ", pois os artigos 51 e 52 do edital fazem a ressalva de que "qualquer serventia que viesse a vagar, durante a realização do certame seria incluída na relação ";

– "assim, se alguém, com habilitação técnica suficiente, viesse a saber do concurso, através do edital, e não houvesse nenhuma serventia de seu interesse já antecipada pela relação publicada, deveria proceder sua inscrição, para quando e se aprovado, verificar a lista definitiva daqueles que seriam providas, para, só então, ter o direito de opção".

Informa o Estado de Santa Catarina que o Conselho Nacional de Justiça concedeu em 29.5.2009 liminar suspendendo o certame, no "PCA n. 200910000019808 ", atendendo a pedido da ANOREG-BR, mas reconsiderou tal decisão em 8.6.2009.

A Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios – ANDECC, em petição datada de 18.6.2009, requer o ingresso no processo, na qualidade de assistente do réu no presente "recurso ordinário em mandado de segurança" .

Aduz que é parte legitima para figurar como assistente pois tem como objetivo "a defesa da promoção dos concursos públicos para cartório em todo o país e da garantia do acesso à titularidade das Serventias Extrajudiciais ".

Informa a ANDECC que, "assim como a ANOREG/BR ingressou no presente feito como assistente litisconsorcial, requerendo concessão de medida liminar, também propôs Procedimento de Controle Administrativo perante o Conselho Nacional de Justiça (200910000019808), cujo relator é o Conselheiro Paulo Lôbo – o qual deferiu medida liminar para a suspensão do presente certame público. No entanto, após os devidos esclarecimentos prestados pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina e pelos interessados, inclusive a ANDECC, o Relator convenceu-se da revogação da medida liminar ".

De igual forma, por petição datada aos 18 de junho de 2009, 28 (vinte e oito) candidatos ao concurso público em referência, que foram aprovados na primeira fase do certame e que aguardam o desfecho do presente recurso ordinário para poderem participar da segunda etapa do concurso, requereram a intervenção no processo, na qualidade de assistentes litisconsortes do réu.

É, no essencial, o relatório.

I – PRELIMINARMENTE – DA INCLUSÃO DE NOVOS ASSISTENTES

Admito, no presente mandamus , na qualidade de assistentes dos recorrentes, a intervenção da Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios – ANDECC e dos 28 (vinte e oito) candidatos aprovados no certame, nos termos do art. 50 do Código de Processo Civil, pelos mesmos fundamentos que aceitei a intervenção da ANOREG.

Os pressupostos para o ingresso como litisconsorte em grau recursal estão preenchidos, a saber:

a) processo pendente (ainda não transitado em julgado) entre duas ou mais pessoas;

b) o direito discutido em juízo diz respeito ao assistente;

c) o assistente pode ter sido litisconsorte facultativo da parte assistida desde o início do processo;

d) existência de relação jurídica entre o assistente e o adversário do assistido;

e) influência direta da sentença (e não reflexamente) nessa relação jurídica.

Assim, entendo que a ANDECC e os 28 (vinte e oito) candidatos aprovados na primeira fase do certame podem intervir no processo na qualidade de assistentes do recorrido, ora agravante, nos termos do art. 50 do Código de Processo Civil, pois o resultado da presente demanda interferirá na validade do Edital de Concurso, atingindo não só os impetrantes, como também os interesses dos candidatos à serventia ofertados no certame "sub judice".

II – AS RAZÕES (SUPERADAS) QUE LEVARAM ESTE JUÍZO À CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR

A liminar pleiteada em grau recursal pela ANOREG foi concedida pois presentes – naquela ocasião – os requisitos necessários para a tutela de urgência.

O periculum in mora se justificava pela razão evidente de o processo ter sido enviado a este julgador para decisão no dia 26.5.2009 (terça-feira), e as provas técnicas (segunda fase do concurso) seriam realizadas nos dias 30 e 31 de maio de 2009 (sábado e domingo), conforme cópia do edital de fls. 683.

O fumus boni iuris decorria dos argumentos constantes nos pareceres emitidos pelos Ministérios Públicos (as razões do parecer do MP Estadual foram ratificadas pelo MP Federal) , no sentido de concessão da ordem de segurança, para, em síntese, anular os atos realizados no concurso público para o preenchimento das serventias com "a reabertura do prazo para inscrição ou retificação daquela anteriormente formalizada, inclusive com a invalidação dos atos eventualmente incompatíveis com aquelas providências " (fl. 515).

E os argumentos apresentados por ambos "custus legis" (MP Estadual, reiterado pelo MP Federal) eram fortes, uma vez que – em suas razões – seria necessário retificar o edital do concurso público em face de violação do direito líquido e certo dos candidatos pois "os impetrantes optaram pelas serventias indevidamente abertas para remoção, porquanto habilitados apenas para aquelas submetidas à investidura originária".

Eis o trecho do parecer do "parquet" Estadual (fl. 514):

"Podemos dizer, em outras palavras, que ao relacionar as serventias anteriormente nomeadas para outorga de delegação através do concurso aberto pelo Edital n. 84/07, com erros nas respectivas datas de vacância, encetaram as ilustres autoridades impetradas indevida alteração na ordem de ingresso nas vagas subsequentes, ou seja, serventias que deveriam ser providas pelo critério de remoção o foram por outorga de delegação original e vice-versa, prejudicando, não só os impetrantes que estão habilitados a concorrer tão-somente às vagas destinadas a esta última modalidade de ingresso, como todos os que eventualmente pretendessem concorrer a determinadas vagas ofertadas indevidamente sob modalidade de outorga para a qual não se encontrem habilitados." (Grifo meu.)

O Ministério Público entendeu, portanto, que houve violação do direito líquido e certo dos impetrantes pois, no ato da inscrição do concurso público, escolheram o ingresso em determinada serventia que não correspondia à serventia de ingresso, mas sim a de remoção, razão pela qual opinou, ao final, que todos os atos realizados deveriam ser anulados (quais sejam: desde a abertura das inscrições até a presente data), in verbis:

"(…) se os erros nas datas de vacância de diversas serventias disponibilizadas no certame sob comento e a decorrente alteração do critério de investidura nas respectivas atividades delegadas, violou o direito líquido e certo de os impetrantes optarem pelas serventias indevidamente abertas para remoção, porquanto habilitados apenas para aquelas submetidas à investidura originária, impõe-se, destarte, a retificação do Anexo I do Edital nº 84/07 que deflagrou o aludido concurso , no tocante às irregularidades mencionadas, com a necessária reabertura do prazo para inscrição e eventual retificação daquelas já formalizadas, bem como a invalidação de todos os atos incompatíveis com tais providências eventualmente praticados."

O principal argumento para anular o concurso era a violação do art. 16, parágrafo único, da Lei n. 8.935/94, e do art. 4° da Lei Complementar Estadual n. 183/99, que determinam:

"Lei n. 8.935/94:

Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis meses.

Parágrafo único. Para estabelecer o critério do preenchimento, tomar-se-á por base a data de vacância da titularidade ou, quando vagas na mesma data, aquela da criação do serviço."

"Lei Complementar Estadual n. 183/99:

Art. 4°. As vagas serão preenchidas alternadamente, sendo dois terços por concurso público de ingresso e um terço por concurso de remoção, ambos de provas e títulos, observando-se, para a alternatividade, a data da vacância das titularidades ou, quando vagas na mesma data, a da criação do serviço".

Adotando os fundamentos dos pareceres dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, acabei por conceder a liminar para suspender o concurso público pois "a escolha em se inscrever no concurso pode ser motivada pela quantidade e qualidade das vagas existentes em cada uma das duas modalidades " (fl. 699).

Pois bem, após o exame prima facie do processo, advindo as judiciosas informações prestadas pelos Estado de Santa Catarina, no presente agravo regimental e as demais notícias dos terceiros interessados, pude verificar que foram omitidas informações essenciais para o desenlace do processo. Dentre elas destaco:

a) o concurso de "ingresso" não se confunde com o de "remoção";

b) inexiste direito à escolha de vagas de serventias certas e determinadas na inscrição do concurso de ingresso;

c) a lista de serventias elaborada pelo Tribunal de Justiça no início do concurso pode ser refeita, por previsão no edital do concurso, até dez dias antes da classificação final dos aprovados do concurso público;

d) os impetrantes foram reprovados na primeira fase do concurso público; e,

e) a lista de serventias disponíveis já foi formalmente regularizada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, inexistindo eventuais nulidades do concurso público.

Assim, encontro razões suficientes para revogar a liminar inicialmente deferida, a saber:

1º) Os candidatos inscritos no concurso de ingresso nas atividades notarial e de registro não disputam, desde logo, a uma serventia específica e determinada, condicionando-se o direito de opção por uma dada serventia à prévia aprovação (evento futuro e incerto), conforme classificação obtida ao final do concurso;

2º) Todos os nove impetrantes foram reprovados na primeira fase do concurso público, indicando a falta de interesse recursal pois o objetivo fim dos impetrantes é escolher vaga de serventia no concurso de ingresso, mas isto só é possível se aprovados no referido concurso;

3º) Como os impetrantes se inscreveram no concurso público para a modalidade ingresso , não podiam fazer escolha de qualquer serventia no Estado, antes de serem aprovados ao final, e participarem da audiência pública de escolha.

Efetivamente, concorriam para todas, e qualquer uma, das serventias destinadas à modalidade de ingresso, unicamente preocupados em serem aprovados no certame.

4º) Inexiste direito líquido e certo à escolha de vaga de serventia certa e determinada no ato da inscrição no concurso público de ingresso para cartorário. A lista de vagas de serventia elaborada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no início do concurso é provisória pois pode ser alterada até 10 (dez) dias antes da classificação final dos aprovados, nos termos dos artigos 51 e 52 do Edital do referido concurso que fazem a ressalva de que "qualquer serventia que viesse a vagar, durante a realização do certame seria incluída na relação".

"Art. 51. Até 10 (dez) dias antes da opção final dos candidatos aprovados, que ocorrerá logo após definida a classificação final, em audiência pública, o Corregedor-Geral da Justiça fará publicar edital contendo a relação dos serviços que vierem a vagar durante a realização do concurso, não constantes do edital original, a data da vacância e se há ou não pendência judicial a tal respeito e, bem assim, o critério de provimento dos mesmos, para que os candidatos aprovados possam optar entre todos os serviços vagos na data da sua opção, respeitada a ordem de classificação."

"Art. 52 – A relação definitiva das serventias para a opção será publicada por edital, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias da formalidade prevista pelo artigo 50 deste Regulamento."

5º) O interesse de eventuais candidatos no certame poderia subsistir – ainda que não tivesse "a serventia de preferência do candidato " na lista original da abertura do concurso pois outras serventias poderiam surgir durante a realização do concurso , nos termos dos citados artigos 51 e 52 do edital.

Assim, não obstante a liminar que concedi ter sido proferida com base justamente no potencial prejuízo aos demais candidatos que deixaram de se inscrever em razão do erro na lista de vagas abertas nas respectivas modalidades "remoção ou ingresso" , enxergo a questão hoje sob a ótica dos artigos 51 e 52 do Edital do certame sub judice, que abre a possibilidade de alterações na lista de vagas de serventia até 10 (dez) dias antes da classificação final do concurso de ingresso.

6º) A situação dos impetrantes seria diversa caso se tratasse de candidatos a vagas de serventia "por remoção", pois nessa modalidade a escolha da vaga é feita logo de início, por ocasião da inscrição do candidato. Situação bem diversa da dos impetrantes, que se candidataram na única modalidade que lhes é permitida, qual seja, por meio de ingresso ou provimento.

7º) Está justificada a REABERTURA de inscrições para o concurso de remoção – exclusivamente -, e não o da modalidade "ingresso". Situação que teve enorme peso na concessão da liminar que concedi, pois aparentava – de início – violação do princípio da igualdade.

8º) Conforme bem decidiu o Tribunal "a quo": " (b) é suficiente que a Comissão reabra as inscrições para as serventias a serem providas pelo concurso de remoção, cujo resultado é de rápida apuração (prova de títulos), assim ultimando o certame como um todo (ingresso e remoção), sem anulação, com base na lista retificada e sem prejuízo."

9º) Ou seja, a reabertura de inscrições para o concurso de remoção em nada se assemelha com o concurso de ingresso, pois o primeiro depende de mero exame de títulos e documentos, muito mais célere do que o de ingresso, razão pela qual é possível a reabertura daquele concurso (de remoção), sem prejuízo para os demais concorrentes.

10º) Em síntese, não há qualquer violação do princípio da igualdade de condições entre os concorrentes, como havia mencionado a ANOREG em sua petição de fls. 623/630, que acabou levando o presente julgador a – equivocadamente – conceder a liminar naquela ocasião.

11º) Por último, cabe observar que o pedido principal do mandamus, referente à retificação nas datas de vacância dos cartórios que os impetrantes titularizam precariamente, sem concurso público , já foi atendido pela republicação das listas de ingresso e de remoção com o Edital n. 11/09 (fls. 676-682). Assim, reforça ainda mais a tese da falta de interesse processual dos impetrantes o fato de que a correção de datas requeridas na petição inicial já foi atendida pelo juízo "a quo", tornando inequívoco o acerto da decisão que denegou a ordem de segurança.

Ante o exposto:

(a) Admito a intervenção da ANDECC e dos 28 (vinte e oito) candidatos aprovados na primeira fase do certame, unidos em litisconsorte no presente mandamus , na qualidade de assistentes do recorrido (Estado de Santa Catarina), nos termos do art. 50 do Código de Processo Civil;

e, utilizando-me do juízo de retratação,

(b) Reconsidero a decisão agravada para revogar a liminar concedida, restabelecendo o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina de fls. 414-434, que autoriza o prosseguimento do concurso público para Ingresso e Remoção na Atividade Notarial e de Registro no Estado de Santa Catarina.

Oficie-se ao Exmo. Sr. Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, para ciência urgente, enviando cópia por fac-símile.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 24 de junho de 2009.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Relator