24 de abril de 2009
Jurisprudência: Registro de imóveis. Dúvida julgada procedente. Carta de arrematação expedida em ação de execução.
REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Carta de arrematação expedida em ação de execução. Decisão, pelo juízo da execução, de que a averbação de indisponibilidade dos bens do marido da executada não atinge a meação que a última tem no imóvel Natureza jurisdicional da decisão que impede a revisão dessa matéria na esfera administrativa.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 990-6/9, da Comarca de LINS, em que é apelante DENIS HARFUCH e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores ROBERTO VALLIM BELLOCCHI, Presidente do Tribunal de Justiça e MUNHOZ SOARES, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 03 de março de 2009.
(a) RUY CAMILO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO
REGISTRO DE IMÓVEIS Dúvida julgada procedente Carta de arrematação expedida em ação de execução Anterior alienação do imóvel, pela executada, em dação em pagamento Inexistência de declaração de ineficácia da alienação em relação à execução em que promovida a arrematação pelo apelante Declaração de fraude à execução promovida em ação distinta, movida por outro credor, que não aproveita o apelante Princípio da continuidade Registro inviável Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Denis Harfuch, tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada em razão da recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Lins em promover o registro da carta de arrematação de quinhão equivalente a 16% do imóvel objeto da matrícula nº 4.980, que foi extraída de ação de execução movida pela Cooperativa de Crédito Rural Linense, em liquidação, contra Sandra Botto Nitrini, o que fez em razão de anterior registro de dação em pagamento do imóvel que foi realizada em favor de terceiros e da averbação de indisponibilidade, decorrente de liquidação extrajudicial, que pesa sobre os bens do cônjuge da executada que é casada pelo regime da comunhão universal.
Sustenta o apelante, em suma, que a indivisibilidade do imóvel não impede a alienação de fração ideal. Assevera que a indisponibilidade averbada na matrícula somente recaiu sobre os bens do marido da executada e não atinge, por tal motivo, a meação que essa tem no imóvel. Diz que esse fato não é alterado pelo regime de comunhão de bens que foi adotado no casamento da executada. Ademais, a matéria foi objeto de apreciação pelo juízo da execução que, de forma expressa, reconheceu que a indisponibilidade não impedia a penhora da meação da executada e a posterior arrematação do imóvel.
Cita r. julgados no sentido de que a indisponibilidade é forma de proteção ao credor e não impede, por tal motivo, a penhora e alienação do imóvel em ação de execução. Aduz, por outro lado, que a alienação do imóvel anteriormente promovida pela executada foi declarada, no Processo nº 3.051/98 da 4ª Vara Cível de Araçatuba, como promovida em fraude à execução, com a correspondente averbação do desvigoramento de seu registro. Afirma que em razão da averbação do desvigoramente o registro dessa alienação perdeu o vigor, ou a eficácia, ou o valor, tornando-se inexistente, razão pela qual não impede o registro da carta de sentença que apresentou.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
A certidão de fls. 50/52 demonstra que a executada Sandra Botto Nitrini e seu marido, Thomaz Lourenço Nitrini, casados pelo regime da comunhão universal de bens, foram proprietários do imóvel objeto da matrícula nº 4.980 do Registro de Imóveis da Comarca de Lins e o transmitiram, mediante dação em pagamento promovida em favor de Lino Botto e sua mulher, Angelina Pastore Botto, por meio de escritura pública registrada em 29 de janeiro de 1999.
A mesma certidão demonstra que em 26 de novembro de 2001 foi averbado o desvigoramento do registro dessa alienação, decorrente da declaração de que foi promovida em fraude à execução movida por Yoshiko Shinsato contra Multireven Comercial Importadora e Exportadora Ltda., Thomaz Lourenço Nitrini e João Batista de Souza, conforme mandado expedido no Processo nº 3.051/98 da 4ª Vara Cível da Comarca de Araçatuba (fls. 52).
Na seqüência, diante da averbação da ineficácia da alienação porque promovida em fraude à execução movida por Yoshiko Shinsato, foi averbada, em 14 de novembro de 2002, a indisponibilidade dos bens de Thomaz Lourenço Nitrini, decorrente da liquidação extrajudial da empresa Assorede Administradora de Consórcios S/C Ltda. (fls. 52).
O apelante, por seu turno, pretende o registro de carta de arrematação expedida na ação de execução movida pela Cooperativa de Crédito Rural Linense em regime de liquidação, contra Sandra Botto Nitrini, que tem curso na 2ª Vara Cível da Comarca de Lins (Processo nº 1144/04).
Como afirmou o douto Procurador de Justiça, Dr. Valmir Teixeira Barbosa, em seu r. parecer, a averbação da indisponibilidade dos bens de Thomaz Lourenço Nitrini não constitui impedimento para o registro da carta de arrematação que, porém, encontra obstáculo na ausência da necessária continuidade, uma vez que o imóvel foi alienado, pela executada e seu marido, mediante dação em pagamento anteriormente registrada, sem que exista prova do expresso reconhecimento, na esfera jurisdicional apropriada, de que essa alienação é ineficaz em relação ao credor que moveu a ação em que realizada a arrematação do bem pelo apelante.
Assim porque a carta de arrematação contém prova de que o Juiz da execução, atuando na esfera jurisdicional, decidiu que a indisponibilidade relativa ao bem de Thomaz Lourenço Nitrini não impedia a constrição sobre quinhão que Sandra Botto Nitrini tinha na meação do imóvel.
Isso é o que decorre das r. decisões reproduzidas às fls. 82, 108 e 109/110, a primeira delas com o seguinte teor:
O auto de penhora de fls. 63 está incompleto,pois é omisso quanto à nomeação do depositário do bem, conforme artigo 665, inciso IV, do Código de Processo Civil; assim e considerando que foi decretada a indisponibilidade do bem em relação a Thomaz Lourenço Nitrini, por determinação do Exmo. Sr. Des. Corregedor Geral da Justiça, e considerando, ainda, que a presente execução foi ajuizada contra Sandra Botto Nitrini, defiro o pedido de fls. 65 para que seja lavrado novo auto de penhora e depósito de 16% do bem descrito na matrícula nº 4.980 do CRI da Comarca de Lins (fls. 82).
Além disso, pela r. decisão reproduzida às fls. 108 foi, novamente, especificado que: Ademais, já houve decisão judicial no sentido de que a constrição incide apenas sobre a cota pertencente a executada Sandra Boto Nitrini, sendo em igual sentido a subseqüente decisão, sobre a mesma matéria, que se encontra reproduzida às fls. 109.
Reconhecido, desta forma, pelo juízo da execução, atuando na via jurisdicional, que a averbação da indisponibilidade relativa aos bens de Thomaz Lourenço Nitrini não impedia a constrição de quinhão da meação da executada Sandra Botto Nitrini no imóvel objeto da matrícula nº 4.980 do Registro de Imóveis de Lins, não pode a matéria ser revista na presente esfera administrativa.
Tal não ocorre, entretanto, com a prevalência do anterior registro de alienação do imóvel pela executada e seu marido, mediante dação em pagamento em favor de Lino Botto e Angelina Pastore Botto, que foi promovido em 29 de janeiro de 1999 (R. 9 da matrícula nº 4.980), porque não consta do título que essa alienação foi reconhecida como ineficaz em relação à Cooperativa de Crédito Rural Linense, em regime de liquidação, credor que moveu a ação de execução em que foi arrematado quinhão do imóvel pelo apelante (Processo nº 1144/04 da 2ª Vara Cível da Comarca de Lins).
Isso não se altera pelo fato de que a mesma alienação foi reconhecida como ineficaz em relação ao Processo nº 3.051/89 da 4ª Vara da Comarca de Araçatuba, movido por Yoshiko Shinsato contra Multireven Comercial Importadora e Exportadora Ltda., Thomaz Lourenço Nitrini e João Batista de Souza.
Assim porque a fraude à execução, uma vez reconhecida, não torna a alienação nula, ou inválida, ou sem vigor, como pretendido pelo recorrente, mas somente retira a eficácia em relação a credor determinado, cujo crédito, porque é anterior à alienação, ou é garantido por direito real, ou em razão de previsão legal específica, foi reconhecido, judicialmente, como prevalente em relação à aquisição do imóvel, por terceiro, feita no curso da ação (artigos 593, incisos I a III, e 615-A, parágrafo terceiro, ambos do Código de Processo Civil).
Sobre os efeitos da declaração da ineficácia de alienação porque promovida em fraude à execução, convém lembrar o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 609-6/1, da Comarca de Campinas, em que foi relator o Desembargador Gilberto Passos de Freitas, assim fundamentado:
O tema em questão é tratado por Décio Antônio Erpen, na obra Títulos Judiciais e o Registro de Imóveis, coordenada por Diego Selhane Pérez, com a denominação A declaração da fraude à execução Conseqüências e aspectos registrais (IRIB Instituto de Registro Imobiliário do Brasil).
Este autor cita as lições de Pontes de Miranda, segundo o qual a fraude à execução é Ineficaz para certa pessoa ou tempo, ou lugar, ou no tocante a outro dado de realidade da vida(Tratado, vol. V, parágrafo 529) e de Sálvio de Figueiredo Teixeira, para o qual o instituto da fraude à execução existe em proteção aos interesses do credor, a favor de quem se instaura a execução, mas adverte: Não há, entretanto, indisponibilidade do bem sujeito à fraude à execução(Amajis, vol. VIII, p.91).
O mesmo autor transcreve trecho de julgado em que foi relator, nos EI 586.055.600 do 2º Grupo de Câmaras Cíveis, no qual aprecia o tema, cita as fontes acima e explicita que …a alienação em fraude à execução é ineficaz, não a terceiros genericamente, mas a um ou mais terceiros determinados, ou seja, somente ao que sofreu um prejuízo real ou em potencial, e na exata dimensão de seu crédito.
Este Colendo Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível nº 33.474-0/9, da Comarca de Limeira, decidiu que:
…a alienação ou oneração de bens em fraude de execução, realizados pelo obrigado, se ostentam ineficazes (Arakem de Assis, Manual do Processo de Execução, Ed. RT, 3ª. Edição, pág. 327; Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, 2ª. Edição RT, 1.987, pág. 136; Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª. Edição, Forense, pág. 387).
Não haverá, ainda, necessidade de cancelamento do registro de eventual alienação fraudulenta. O negócio é válido, mas ineficaz. Não se pode equiparar a invalidade do ato jurídico com sua ineficácia, institutos que se situam em planos diversos, gerando efeitos inconfundíveis (Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico, Editora Saraiva, pág. 72).
É tema absolutamente tranqüilo, como decidido em inúmeras oportunidades na esfera jurisdicional, à qual deve se afeiçoar o direito registrário, que a alienação ou oneração de bens em fraude à execução é ineficaz em relação ao exeqüente, embora válida quanto aos demais, razão porque não há necessidade de cancelamento do registro imobiliário (RT 601/117, 639/119, JTA 92/175; RSTJ 20/282).
O negócio jurídico que frauda a execução gera plenos direitos entre adquirente e alienante. Apenas não pode ser oposto ao exeqüente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulentas, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade de terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito (Humberto Theodoro Júnior, Processo de Execução, 7ª. Edição, Leud, 1.987, pág.155). Não há, por isso, quebra ao princípio da continuidade, na medida que não ingressam direitos contraditórios no cadastro imobiliário.
Assim sendo, o registro em questão não foi e nem será cancelado pelo fato de ter sido reconhecida a ineficácia da alienação referida no R.10 da matrícula número 43.424
Além do mais, a execução em que promovida a arrematação de que agora se pretende o registro foi movida por Cooperativa de Crédito Rural Linense em regime de liquidação, na 2ª Vara Cível da Comarca de Lins (Processo nº 1144/04), visando o recebimento de crédito representado pela nota de crédito rural nº 200100203, emitida em 22 de junho de 2001, a ser pago em parcelas com vencimento a partir de 02 de abril de 2002 (fls. 64/67).
Esse crédito, portanto, foi constituído depois da alienação do imóvel pela executada Sandra Botto Nitrini e por seu marido Thomaz Lourenço Nitrini, promovida, como visto, por meio de escritura pública registrada, na matrícula nº 4.980, em 29 de janeiro de 1999 (fls. 78-verso), estando, portanto, ausente o requisito, para a declaração de fraude à execução, de existência de demanda contra a executada movida antes da dação em pagamento (artigo 593, incisos I e II, e artigo 615-A, parágrafo terceiro, ambos do Código de Processo Civil).
Por sua vez, o uso do termo desvigoramento na averbação da ineficácia da dação em pagamento em relação à execução movida por Yoshiko Shinsato contra Multireven Comercial Importadora e Exportadora Ltda., Thomaz Lourenço Nitrini e João Batista de Souza (Processo nº 3.051/98 da 4ª Vara Cível da Comarca de Araçatuba) não implicou no cancelamento do registro dessa alienação porque a ordem de cancelamento deve decorrer de forma expressa da decisão judicial em que determinada tal medida e do mandado respectivo.
In casu, ao contrário, a certidão de fls. 111 comprova que a decisão prolatada pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Araçatuba no Processo 3.051/98 teve o seguinte teor:
1) Em razão da desistência do arresto realizado nos autos (fls. 64),o qual foi convertido em penhora às fls. 67, acolho o pedido de fls. 78/79 e declaro ineficaz a alienação do imóvel objeto da matrícula nº 4.980 do Cartório de Registro de Imóveis de Lins/SP, reconhecendo que a fraude à execução com relação à presente ação (artigo 593, inc. II, do Cód. de Proc. Civil).
2) Expeça-se mandado para desvigoramento do registro (R9 M4.980) com relação à venda do referido imóvel para que possa ser efetuada a penhora com a conseqüente inscrição da mesma.
3) Depreque-se o cumprimento do mandado de desvigoramento, bem como, o levantamento do arresto convertido em penhora (fls. 64) e ainda a realização da penhora sobre 15% do imóvel objeto da matrícula nº 4.980 do C.R.I. da Comarca de Lins/SP, intimando-se os devedores e os adquirentes Lino e Angelina (fls. 81-vº), da fraude à execução.
Int. (fls. 111).
Decorre dessa r. decisão, portanto, que o reconhecimento da fraude à execução foi restrito à execução movida por Yoshiko Shinsato (Processo nº 3.051/98 da 4ª Vara Cível da Comarca de Araçatuba), sem ordem expressa de cancelamento do registro da dação em pagamento, mesmo porque o cancelamento era absolutamente desnecessário para a finalidade buscada pelo referido credor.
Outrossim, a declaração da ineficácia da alienação, porque promovida em fraude à execução, não dispensa a obrigação de respeito ao contraditório e ampla defesa, razão pela qual o MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Lins determinou que os executados e os adquirentes do imóvel fossem intimados de sua decisão.
E essa intimação, como visto, foi restrita à r. decisão em que declarada a ineficácia da alienação em relação a credor e a crédito específicos, não favorecendo, pois, outros credores e não prejudicando os alienantes e os adquirentes do imóvel além dos limites da ineficácia declarada.
Deste modo, não figurando a executada como titular do domínio do imóvel arrematado, encontra o registro do título obstáculo instransponível consistente na ausência da continuidade que, consoante esclarece Afrânio de Carvalho, tem o seguinte significado:
O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente (Registro de Imóveis, 4ª edição, 1998, Forense, pág. 253).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
(a) RUY CAMILO, Corregedor Geral da Justiça e Relator