14 de abril de 2009
Jurisprudência – TJRS:Apelação cível – Sucessões – Doação inoficiosa não configurada – Bem doado que não excede a parte da qual o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento
•Apelação cível – Sucessões – Doação inoficiosa não configurada – Bem doado que não excede a parte da qual o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – Nos termos do artigo 549 do Código Civil, nula é a doação quanto à parte que exceder a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – Quando o valor do bem doado não excede a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, não há falar em doação inoficiosa, ainda que tenha havido mais de uma doação, e em momentos distintos – Para efeitos de eventual anulação de doação, deve levar-se em conta todas as liberalidades, somando-se seus valores para a verificação do excesso em relação ao conjunto dos bens que compõem o patrimônio do doador, razão pela qual, caso o doador já tenha feito outra doação, em momento anterior, somam-se os bens doados à massa dos existentes para o cálculo da metade disponível – Recurso desprovido.
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. DOAÇÃO INOFICIOSA NÃO CONFIGURADA. BEM DOADO QUE NÃO EXCEDE A PARTE DA QUAL O DOADOR, NO MOMENTO DA LIBERALIDADE, PODERIA DISPOR EM TESTAMENTO. 1. Nos termos do artigo 549 do Código Civil, nula é a doação quanto à parte que exceder a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. 2. Quando o valor o bem doado não excede a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, não há falar em doação inoficiosa, ainda que tenha havido mais de uma doação, e em momentos distintos. 3. Para efeitos de eventual anulação de doação, deve levar-se em conta todas as liberalidades, somando-se seus valores para a verificação do excesso em relação ao conjunto dos bens que compõem o patrimônio do doador, razão pela qual, caso o doador já tenha feito outra doação, em momento anterior, somam-se os bens doados à massa dos existentes para o cálculo da metade disponível. Recurso desprovido. (TJRS – Apelação Cível nº 70025815820 – Comarca de Espumoso – 7ª Câmara Cível – Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel – DJ 09.02.2009).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE) E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ.
Porto Alegre, 28 de janeiro de 2009.
DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL, Relator.
RELATÓRIO
DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (RELATOR) – Trata-se de recurso de apelação interposto por Astrogildo B. S. e outros, nos autos da ação de nulidade de ato jurídico por estes ajuizada, inconformados com a sentença que julgou improcedente o pedido, condenando-os ao pagamentos das custas processuais, e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, estes estabelecidos em 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade da verba em face do benefício da justiça gratuita deferida aos ora apelantes (fls. 72 a 76).
Afirmam os apelantes que a doação efetivada é nula, tendo em vista que excedeu a parte de que a ora apelada poderia dispor no momento da liberalidade.
Aduzem que por ocasião da doação, o patrimônio da ora apelada era composto apenas pela propriedade urbana doada, a qual representava mais de 50% do seu patrimônio, evidentemente.
Entendem que ocorre doação inoficiosa quando atingido o patrimônio em quantidade superior à disponível, ainda que realizadas as doações em momentos distintos.
Citam os artigos 549 e 2.007, caput, do Código Civil Brasileiro, e colacionam arestos desta Corte que amparam a tese deduzida em sede recursal.
Em face do exposto, clamam pelo provimento do recurso, para ver julgado procedente o pedido, reduzindo-se a doação à parte de que a ora apelada poderia dispor no momento da liberalidade (fls. 78 a 83).
Recebido o recurso (fl. 84), e contra-arrazoado (fls. 86 a 89), subiram os autos a esta Corte, vindo-me conclusos, para julgamento.
Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552 do CPC.
É o relatório.
VOTOS
DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (RELATOR) – Não merece acolhida a pretensão recursal.
Creio que, inicialmente, faz-se necessário um breve histórico dos fatos.
Em 31 de outubro de 1979, faleceu José Cândido S. B., esposo da ora apelada, Natalina B. S.
Na ocasião, o casal dispunha de patrimônio constituído de uma área rural medindo 217.027ha.
Aberto o inventário, metade do patrimônio coube à viúva Natalina (meeira), e a outra metade foi partilhada entre os filhos do casal, por igual.
Posteriormente, Natalina vendeu parte do seu patrimônio a terceiro e, com o fruto da venda, construiu o jazigo da família, onde foi sepultado José Cândido S. B., e adquiriu um terreno urbano onde construiu a sua moradia e onde reside atualmente.
O patrimônio de Natalina, assim, passou a ser constituído de parcela daquela área rural e um imóvel urbano.
Passado um tempo, optou Natalina por partilhar entre os seus filhos, ainda em vida, o imóvel rural de sua propriedade, antecipando a legítima, reservando-se apenas a propriedade do imóvel urbano.
Posteriormente, no ano de 2003, o imóvel rural partilhado por Natalina entre os seus filhos ainda em vida foi alienado, pelo valor de R$ 258.000,00.
Recentemente, em 2006, Natalina optou por doar o seu imóvel urbano para a sua filha Vera Lúcia, com quem reside, reservando-se o usufruto vitalício.
Contra esta doação é que se insurgem os demais herdeiros, supostamente preteridos, circunstância que ensejou o ajuizamento da presente demanda.
Feita essa síntese, passo à análise da questão jurídica.
A grande questão a ser solvida no presente caso é: a doação à qual procedeu Natalina em favor de sua filha Vera Lúcia extrapolou a parte de que Natalina, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento? Parece-me que não.
Com efeito, é curiosa a tese dos apelantes, na medida em que sustentam que após a antecipação da legítima, Natalina constituiu “novo patrimônio”, formado apenas pelo seu imóvel urbano e, dessa forma, este teria passado a representar a totalidade (100%) do patrimônio dela, razão pela qual a doação que fez seria nula…
Veja-se, entretanto, que a tese apenas serve aos apelantes nesta oportunidade porque Natalina antecipou a legítima dos herdeiros ao partilhar entre os seus filhos, ainda em vida, o imóvel rural de sua propriedade!
Não fosse assim, estariam os apelantes defendendo tese que lhes é amplamente desfavorável, porquanto Natalina poderia ter doado a Vera Lúcia 50% do seu imóvel rural, e 50% de seu imóvel urbano. Assim, seu patrimônio passaria a ser constituído de 50% do seu imóvel rural, e 50% de seu imóvel urbano. Posteriormente, de acordo com a tese dos apelantes, Natalina poderia novamente doar a Vera Lúcia 50% dos 50% restantes do seu imóvel rural, e 50% dos 50% restantes de seu imóvel urbano, e assim sucessivamente, até dizimar o patrimônio em favor de Vera Lúcia, nada deixando aos demais herdeiros!
Eminentes Colegas.
Nos termos do artigo 549 do Código Civil, nula é a doação quanto à parte que exceder a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Quando o valor o bem doado não excede a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, não há falar em doação inoficiosa, ainda que tenha havido mais de uma doação, e em momentos distintos.
Para efeitos de eventual anulação de doação, deve levar-se em conta todas as liberalidades, somando-se seus valores para a verificação do excesso em relação ao conjunto dos bens que compõem o patrimônio do doador, razão pela qual, caso o doador já tenha feito outra doação, em momento anterior, somam-se os bens doados à massa dos existentes para o cálculo da metade disponível.
Sobre o tema, é a lição do mestre Orlando Gomes:
“Conquanto se refira a lei a esse momento, no pressuposto de doação única, não se pode aplicar a regra isoladamente no caso de sucessivas doações, sob pena de se tornar irrisória a proteção da legítima. Para efeitos da redução, devem levar-se em conta todas as liberalidades, somando-se seus valores para a verificação do excesso em relação ao conjunto dos bens deixados (…) desse modo, se o doador já tiver feito outra doação, devem esses bens doados se reunirem também à massa dos existentes para o efeito de calcular a metade disponível, porque, evidentemente, influem na apuração da parte que o doador poderia, no momento da liberalidade, dispor em testamento”1
Ainda sobre a questão em debate, é a jurisprudência desta Corte:
“AÇÃO ANULATÓRIA. DOAÇÃO INOFICIOSA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 1.176 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. Ainda que em momentos distintos ocorre doação inoficiosa quando atingido o patrimônio em quantidade superior à disponível. Os honorários advocatícios não podem ser fixados em salários mínimos. SÚMULA Nº 201.” (Apelação Cível Nº 70007476997, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 03/05/2005) (grifei)
Na espécie, por ora, uma simples digressão matemática, que não tem o condão de por fim à discussão relativa aos valores das operações, mas apenas constatar a legalidade da doação, resolve a controvérsia, senão vejamos:
– Por ocasião do óbito de seu esposo, recebeu Natalina, viúva-meeira, 50% do bem imóvel rural que a ela e ao falecido pertencia. A outra metade, foi partilhada entre os filhos do casal.
– Posteriormente, Natalina vendeu 20% do seu patrimônio a terceiro, pelo valor aproximado de R$ 40.000,00 e, com o fruto da venda, construiu o jazigo da família, onde foi sepultado José Cândido S. B., e adquiriu um terreno urbano onde construiu a sua moradia e onde reside atualmente.
– Assim, a primeira conclusão a que se chega é: se a alienação 20% do patrimônio de Natalina resultou no recebimento de R$ 40.000,00 por parte desta, o restante do imóvel rural de Natalina (80% de seu patrimônio) estava avaliado em R$ 160.000,00. Logo, o patrimônio de Natalina era composto de R$ 200.000,00, dos quais 80% referem-se ao imóvel rural, e 20% ao imóvel urbano de propriedade desta.
– Passado um tempo, optou Natalina por partilhar entre os seus filhos, ainda em vida, o imóvel rural de sua propriedade, antecipando a legítima, reservando-se apenas a propriedade do imóvel urbano. Logo, a cada filho tocou o equivalente a R$ 32.000,00, posto que o imóvel rural valia R$ 160.000,00, como acima explicitado.
– Recentemente, Natalina optou por doar o seu imóvel urbano para a sua filha Vera Lúcia, com quem reside, reservando-se o usufruto vitalício. Esta operação foi avaliada em R$ 38.000,00.
– Assim, Vera Lúcia recebeu de Natalina, até o momento, R$ 70.000,00, quantia que não ultrapassa a metade disponível do patrimônio desta, avaliado em R$ 200.000,00, tendo em vista que, para efeitos de eventual anulação de doação, deve levar-se em conta todas as liberalidades.
Nestes termos, o corolário lógico é a improcedência da ação, mantendo-se a sentença atacada.
Pelo exposto, pois, nego provimento ao recurso.
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (REVISOR) – De acordo.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE) – De acordo.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – Presidente – Apelação Cível nº 70025815820, Comarca de Espumoso: "POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."
Notas
1 Gomes, Orlando. Apud Rizzardo, Arnaldo. Direito das Sucessões, 3ª ed., p. 477 e 478.