30 de setembro de 2008

Compra e venda. Distrato. Cônjuge – anuência. Preço – restituição. Pagamento – prova – ausência. Confissão de dívida.

No caso, em que pese o regime de bens vigente entre os recorrentes, não há no sistema jurídico pátrio qualquer vedação no sentido de um dos cônjuges firmar contrato de compra e venda sem anuência do outro e firmar o correspondente distrato, quando ainda, não operado o registro junto ao Ofício Imobiliário. Assim, é válido e eficaz o distrato firmado exclusivamente pela demandada, sem a anuência do seu esposo. Inteligência do art. 1642, VI, do CCB. Inexistência de elementos de prova no sentido demonstrar que tenham os demandados adimplido o preço do bem e/ou da existência de confissão de dívida em seu favor. Art. 333, II, do CPC.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 70021651088 – VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL – COMARCA DE URUGUAIANA
APELANTE: OSMAR PIVETTA
APELANTE: IVANI REGINA PERLIN PIVETTA
APELADO: AFONSO DE SOUZA FALCAO NETO
DATA DE JULGAMENTO: 18/06/2008
RELATOR: Glênio José Wasserstein Hekman

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA E DISTRATO FIRMADOS APENAS POR UM DOS CÔNJUGES SEM ANUÊNCIA DO OUTRO. VALIDADE E EFICÁCIA. ART. 1.642, VI, DO CCB. RESTITUIÇÃO DO PREÇO. FALTA DE PROVA DO PAGAMENTO E AUSÊNCIA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. ART. 333, II, DO CPC.

No caso, em que pese o regime de bens vigente entre os recorrentes, não há no sistema jurídico pátrio qualquer vedação no sentido de um dos cônjuges firmar contrato de compra e venda sem anuência do outro e firmar o correspondente distrato, quando ainda, não operado o registro junto ao Ofício Imobiliário. Assim, é válido e eficaz o distrato firmado exclusivamente pela demandada, sem a anuência do seu esposo. Inteligência do art. 1642, VI, do CCB. Inexistência de elementos de prova no sentido demonstrar que tenham os demandados adimplido o preço do bem e/ou da existência de confissão de dívida em seu favor. Art. 333, II, do CPC.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. RUBEM DUARTE (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO.

Porto Alegre, 18 de junho de 2008.

DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN, Relator.

RELATÓRIO

DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (RELATOR)

OSMAR PIVETTA E IVANI REGINA PERLIN PIVETTA interpuseram apelação cível em razão da sentença de fls. 118/121, que julgou procedente a “ação de cancelamento de Registro Imobiliário com pedido de antecipação de tutela” movida por AFONSO DE SOUZA FALCÃO NETO, para cancelar o registro n° R-11-3279, da matrícula n° 3279, constante no Livro n° 2, onde figura como transmitente Afonso e Souza Falcão Neto e, como adquirente, Osmar Pivetta e Ivani Regina Perlin Pivetta.

Nas suas razões recursais (fls. 125/144), os recorrentes, após resumo dos atos negociais praticado pelas partes, reeditam a preliminar de inépcia da inicial, vez que descumprida a exigência do art. 282, III e IV, do CPC. No mérito, insurge-se contra a sentença e o parecer do Ministério Público, ao argumento de que o art. 1.641, I, do CCB, proíbe qualquer um dos cônjuges de celebrar, sem anuência do outro, distratos que importe na perda do direito de aquisição da propriedade de bem imóvel, por produzir os mesmos efeitos da alienação. Argumentam exaustivamente que o distrato equivale a um ato de alienação, sendo que os incisos do dispositivo legal mencionado, referem-se à prática de atos de disposição (posse, uso e fruição) e da administração e não de alienação de bens imóveis, tanto que o próprio artigo dispõe sobre as limitações (art. 1.647, in.I), logo, impossível a sua aplicabilidade na espécie. Com efeito, sustentam que o distrato firmado apenas por Ivani, não se perfectibilizou. Ademais, não houve restituição do preço que foi pago quando da celebração da compra e venda, não podendo estes invocar a aplicação da regra do art. 476 do CCB. Alegam a má-fé do recorrido. Ao depois, insurgem-se quanto ao pedido de antecipação de tutela formulado na exordial. Por fim, ressaltam que, a sentença está equivocada ao considerar existente, válido e eficaz o distrato noticiado na escritura pública de fl. 12, sem a anuência do recorrente Osmar e restituição do preço pago. Requerem que este Tribunal dê provimento ao recurso, a fim de reformar integralmente a sentença, invertendo o ônus da sucumbência, com elevação da verba honorária para o percentual de 20%, ante a comprovada litigância de má-fé do recorrido.

Preparado (fl. 145) e tempestivo, o apelo foi recebido no seu duplo efeito.

Às fls.148/151, o autor/recorrido pugna pelo desprovimento do recurso, para tanto, considerando-se o firme parecer ministerial e a bem lançada sentença.

Em parecer (fls.156/159) o douto Procurador de Justiça, no que tange a preliminar, referiu que a aparente contradição entre o fato alegado pelo autor e os termos da escritura pública de compra e venda não constitui causa da inépcia da inicial. No mérito, opina pelo desprovimento da apelação, mediante as cautelas legais.

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Glênio José Wasserstein Hekman (RELATOR)

Eminentes Colegas!

Cuida-se de apelação cível interposta pelos demandados Osmar Pivetta e Ivani Regina Perlin Pivetta contra a sentença de fls. 118/121, que julgou procedente a “ação de cancelamento de Registro Imobiliário com pedido de antecipação de tutela” movida por Afonso de Souza Falcão Neto, para cancelar o registro n° R-11-3279, da matrícula n° 3279, constante no Livro n° 2, onde figura como transmitente Afonso e Souza Falcão Neto e, como adquirente, Osmar Pivetta e Ivani Regina Perlin Pivetta.

Inicialmente, registro que as partes, em data de 06.10.03 firmaram escritura pública de compra e venda de 50% do imóvel, descrito e caracterizado na matrícula n° 3279, do Livro n° 2, fl. 01, do Cartório de Regiro de Imóveis da Comarca de Uruguaiana/RS. Narra que, no momento da celebração da escritura pública n° 19.882/11.082, de fl.11, compareceu junto ao Ofício de Imóveis somente a promitente compradora Ivani, permanecendo inutilmente o autor à espera de Osmar Pivetta que pagaria ao autor a importância de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) em cheque nominal, referente ao negócio jurídico realizado entre as partes. No entanto, este não compareceu, não havendo o pagamento do preço ajustado entre as partes. Em data de 16.10.2003, a demanda Ivani assinou escritura pública de desfazimento da escritura pública n° 12.061, todavia, o demandado Osmar Pivetta não compareceu para exara sua assinatura e consolidar de vez o desfazimento da compra e venda. Entretanto, em que pese a existência do desfazimento, os demandados encaminharam a escritura pública para fins de registro no Cartório de Imóveis. Por tais, razões foi compelido o autor a ajuizar a presente demanda.

Feitas tais considerações, passo ao exame das questões suscitadas no apelo.

Da preliminar de inépcia da inicial.

Os demandados/recorrentes reeditam a preliminar de inépcia da inicial, forte no que dispõe o art. 282, III e IV, do CPC. Entretanto, saliento que, não merece acolhimento a preliminar, pelas razões já manifestadas pelo douto Procurador de Justiça e pela Magistrada a quo (fls. 54 e 157), a saber, a matéria suscitada confunde-se com o mérito.

Neste sentido, vale transcrever Parecer do douto Procurador de Justiça.

“A aparente contradição entre o ato alegado pelo autor e os termos a escritura pública de compra e venda de fls. 11 dos autos não constitui causa de inépcia da inicial”, fl. 157 (grifei).

No mérito

Não merece acolhimento a pretensão recursal dos apelantes.

Inicialmente, ressalto que, a matéria posta em exame nesta C. Câmara Cível, cinge-se, pois, basicamente a duas questões: uma, a existência, validade e eficácia do distrato firmado apenas pela demandada/recorrente Ivani correspondente ao contrato de compra e venda, igualmente, firmado somente pela adquirente, ambos os atos, sem anuência do seu cônjuge. A outra, é a verificação de quem ficou a dever com o negócio jurídico entabulado e desfeito.

Correta a sentença que decidiu a questão pertinente a efetivação do contrato e distrato de compra e venda à luz do direito obrigacional e, aplicando à espécie a norma geral prevista no do inciso VI do art. 1.642 do Código Civil, agasalhando a promoção do Ministério Público de Primeiro Grau.

Peço venia, ao douto Promotor de Justiça Cláudio Ari Mello, para transcrever parte da promoção de fls.108/117, que em profunda análise sobre matéria em discussão, inclusive, buscando explicações no direito comparado, assim, manifestou-se em relação a possibilidade do cônjuge contratar para aquisição de compra e venda de bem imóvel e efetivar o respectivo distrato, sem anuência do outro cônjuge, observada, para tanto, a ausência de transcrição no Ofício de Imóveis, forte na interpretação do art. 1.642, inc.VI, do Código de Processo Civil:

“(…)

Assim, no direito brasileiro o ato jurídico de transcrição do título no Registro de Imóveis só é eficaz se o título que lhe dá causa existe, é válido e eficaz. Caso o título causal não exista ou seja nulo, o ato de transmissão do domínio é nulo ou ineficaz.

No caso sub judice, houve a transferência da propriedade imobiliária pertencente ao autor Afonso de Souza Falcão Neto para a é Ivani Regina Perlin Pivetta, conforme o documento da fl. 15. Em 21 de outubro de 2003 a ré fez o registro consistente na compra e venda de 50% do imóvel junto à matrícula n° 3.279/3 do Registro de Imóveis de Uruguaiana. O Título consistiu na Escritura Pública de Compra e venda firmada em 03 de outubro de 2003 entre o autor e a re Ivani, conforme documento de fl. 11. Nesse contrato, o autor vendeu 50% do imóvel situado na rua Monte Casseiros, n° 1.492, em Uruguaiana, pelo valor de R$ 50.000,00.

Ocorre que no dia 16 de outubro de 2003 a própria adquirente firmou com o alienante uma Escritura Pública de Desfazimento de Compra e Venda, vale dizer, assinou distrato do negócio jurídico de compra e venda anteriormente ajustado. Como consta expressamente na escritura pública cuja cópia encontra-se a fl. 12, as partes decidiram “de comum acordo desfazer a escritura pública de Compra e Venda nestas notas no livro n° 126, fl. 122, sob o n° 19.882/11.082, datada de 06 de outubro de 2003, incidente sobre 50% do prédio de alvenaria n° 1.492 sito na Rua Monte Casseiros, nesta cidade”..”ficando a referida escritura, a partir desta data, sem nenhuma validade jurídica”.

O distrato é plenamente admissível no direito brasileiro, desde que obedeça a forma exigida para o contrato, conforme exige expressamente o art. 472 do Código Civil. O artigo 108 do Código Civil prevê que “a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país”. Por cia de conseqüência, tanto o contrato de compra e venda de bens imóveis quanto o correspondente distrato devem ser feitos por escritura pública. E na situação em exame, ambos os negócios jurídicos obedeceram a forma prescrita em lei. Quanto a este aspecto, não pode haver dúvida a respeito da existência, validade e eficácia do distrato, realizado uma semana antes do registro da escritura pública de compra e venda no cartório imobiliário. Como se viu, o distrato foi feito em 16 de outubro de 2003, e o registro da escritura pública de compra e venda de 03 de outubro de 2003 foi efetuado no dia 23 de outubro de 2003. Assim, quando no registro no cartório imobiliário, o título original já não subsistia, ou seja, a causa do ato jurídico de transferência da propriedade desaparecera do mundo jurídico pelo distrato. E sem causa não há transmissão do domínio.

No entanto, os réus sustentam que o distrato é ineficaz porque não contou com o consentimento do esposo da adquirente. De fato, embora a escritura pública de distrato refira expressamente o nome de Osmar Pivetta como parte no negócio jurídico, não consta a assinatura deste réu. O próprio autor em seu depoimento pessoal a fl.74, declarou que “na data do desfazimento da escritura de compra e venda do imóvel, somente compareceu a ré, sob a alegação de que não tinha conhecimento de que fosse necessária a presença do réu”. Portanto, é preciso investigar se efetivamente a ausência do réu Osmar Pivetta no distrato torna-o ineficaz para o efeito de desfazer o negócio jurídico de compra e venda firmado exclusivamente entre o autor e a ré Ivani Regina Perlin Pivetta, por carência de consentimento do cônjuge casado em comunhão parcial de bens.

O Código Civil de 2002 não é suficientemente claro a respeito da matéria. Todavia, a interpretação sistemática do diploma leva a conclusão distinta da proposta pelos réus. O artigo 1.642 permite que o marido e mulher pratiquem livremente alguns atos da vida civil enumerados nos seus respectivos incisos. Dentre eles, consta, no inciso I, a realização de atos de disposição de administração necessários ao desempenho de sua profissão,mas não consta o direito de alienar bens imóveis sem a anuência do cônjuge. Contudo, o inciso IV deste dispositivo legal institui uma norma geral permissiva ao dispor que marido e mulher podem livremente “praticar todos os atos que não lhe forem expressamente vedados”. Esta norma geral permissiva torna válida a prática de qualquer ato dispositivo que não estiver proibido expressamente por outra norma do sistema jurídico. Há que se questionar ,pois, se existe alguma regra jurídica que proíba a um dos cônjuges distratar um contrato de compra e venda de imóvel, firmado individualmente e ainda não registrado no cartório imobiliário. Na realidade não existe uma norma jurídica proibindo que um dos cônjuges firme contrato de compra e venda de um bem imóvel sem a anuência do outro, e tampouco que firma individualmente o respectivo distrato. O consentimento é exigido para alienação de bens imóveis, ou seja, para realizar atos que repercutem no plano dos direitos reais imobiliários, conforme prevê o inc. I do art. 1.647do Código Civil. No plano dos direitos pessoais, o Código Civil veda,no artigo mencionado, a prestação de aval ou fiança (inciso III) e doação não remuneratória de bens comuns ou de bens que possam integrar futura doação (inciso IV). Mas não existe vedação expressa para que um dos cônjuges, ainda que casado em regime parcial, firme contrato de compra e venda de bens imóveis e depois facão o distrato deste mesmo negócio jurídico, desde que o direito pessoal decorrente desse negócio jurídico não tenha ingressado no plano do direito das coisas, por meio da transcrição do título no cartório imobiliário.

O inciso I do artigo 1.647 poderia dar ensejo á conclusão de que o cônjuge não pode distratar a compra e venda, na medida em que o dispositivo prescreve que “nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime de separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis”. Entretanto, a expressão alienar pressupõe a aquisição da propriedade imobiliária, como vimos, no direito brasileiro a aquisição de bens imóveis só corre após a transcrição do título no Cartório de Registro de Imóveis. Antes dessa transcrição o adquirente tem apenas um direito pessoal contra ao alienante, e não um direito real de propriedade sobre o bem. Assim, ele não pode alienar o que ainda não possui. Por via de conseqüência, embora um cônjuge não possa alienar bem imóvel sem o consentimento do outro, ele pode distratar contrato de compra e venda que firmou sem a anuência do esposo ou da esposa e que não levou a registro. Essa autorização legal resulta do disposto na norma geral permissiva do inciso VI do art. 1.642 do Código Civil.

Portanto, o argumento dos réus, de que o distrato não tem valor jurídico porque não contou com o consentimento do cônjuge varão, não encontra respaldo no sistema jurídico brasileiro. O cônjuge casado em regime de comunhão de bens que firma contrato de compra e venda de bem imóvel sem a anuência do outro tem direito de firmar o distrato do negócio jurídico caso não tenha levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis respectivo título. Isso porque tais negócios jurídicos permanecem no plano do direito das obrigações, ao passo que a exigência do consentimento do cônjuge para alienação de bens imóveis pertence ao plano do direito das coisas.”

Do que se concluí que, em pese o regime de bens vigente entre os demandados, não há no sistema jurídico pátrio qualquer vedação no sentido de um dos cônjuges firmar contrato de compra e venda sem anuência do outro e firmar o correspondente distrato, quando ainda, não operado o registro junto ao Ofício Imobiliário, como no caso em que se julga, conforme inteligência do art. 1.642, inc. VI, do Código Civil brasileiro. Com efeito, dadas as circunstâncias fáticas e, considerando o dispositivo de lei supra mencionado, é válido e eficaz o distrato firmado exclusivamente pela demandada, sem a anuência do seu esposo.

No sentido que se entende, foi a manifestação do Ministério Público de Segundo Grau, como se verifica do Parecer de fls. 156/159 dos autos.

Nesse quadro, evidente o proceder de má-fé dos demandados que mesmo após o desfazimento do negócio jurídico efetivaram registro junto ao Cartório de Imóveis da compra e venda já desfeita por escritura pública (fl. 12). Neste sentido, transcrevo manifestação do Ministério Público, de fl. 116, que com clareza expressa o proceder da ré: “a ré Ivani não agiu de boa-fé e probidade no curso da relação contratual, ao levar a registro escritura pública de compra e venda de um imóvel cujo distrato ela já havia firmado um semana antes. (…), não é absolutamente racional que alguém contrate, depois descontrate e após busque os efeitos do contrato que distratou. E não é ético que o faça omitindo do órgão público responsável pela eficácia jurídica da transferência do domínio a realização do distrato que desfez o contrato original”.

No que pertine a questão da restituição de valores, compulsando aos autos não encontrei a alegada confissão de dívida em favor dos recorrentes ou outro documento que evidenciasse fosse o autor devedor dos demandados por dívida contraída por aquisição de arroz, ônus que lhes incumbia (CPC, art. 333, II).

A declaração de Marilaina Ballejo, de fl. 40, ao meu juízo, imprestável para confirmação de dívida, vez que não submetida ao crivo do contraditório. Neste tópico, convém salientar que, mesmo intimada para audiência de instrução a mesma não compareceu.

Ao meu sentir, não é crível que o demandado homem de negócio que é, declarando-se funcionário da empresa Agropecuária Schwanck Ltda, a qual qualifica como uma das grandes produtoras de arroz do Estado do Rio Grande do Sul (fl. 24), não tenha, acautelado-se e guardado cópias da confissão de dívida ou de outros documentos que comprovassem a dívida do autor.

Neste tópico, tenho que, tanto a autorização (fl. 35) como os boletins de saída do produto da empresa arrozeira (fls. 36/37), são inconsistentes para demonstrar seja o autor devedor dos demandados.

Ao depois, causa estranheza a demandada desfazer o negócio jurídico de compra e venda, sem no entanto, fazer qualquer ressalva quanto a devolução de valores e/ou documento de confissão de dívida, que, segundo a tese de defesa dos demandados, ensejou a realização do negócio jurídico de compra e venda do bem imóvel.

Com efeito, nada há para alterar na sentença que entendeu: “(…), o desfazimento é sem sombra de dúvida a vontade das partes. Se o réu, como alegou, mas sem respaldo, é credor do autor por outra transação entabulada que amealhe provas e cobre este valor do autor”.

Quanto a má-fé do autor, não se verifica qualquer prática nesse sentido. Contrariamente, é o agir dos demandados que correram e registraram compra e venda já desfeita, como se nada tivesse acontecido, conforme se verifica da prova documental colacionada ao feito.

Em relação ao pedido de antecipação de tutela do autor, consoante se verifica às fl. 50 foi postergada a sua análise e, não há notícia que de tal decisão tenha o autor se insurgido.

Por derradeiro, mantenho a condenação honorária arbitrada em 10% sobre o valor atribuído à causa, porquanto se mostra razoável e proporcional a complexidade da causa, ainda, fixada levando em conta os parâmetros legais, estabelecidos no art. 20, § 4°, do CPC.

Destarte, encaminho meu voto no sentido de negar provimento à apelação.

É como voto.

Des. Rubem Duarte (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.

Des. José Aquino Flôres de Camargo – De acordo.

DES. RUBEM DUARTE – Presidente – Apelação Cível nº 70021651088, Comarca de Uruguaiana: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: ROSALIA HUYER