26 de março de 2021

Jurisprudência – Informativo n. 0687 – 8 de março de 2021

Informações do Inteiro Teor:

O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.

Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros.

No caso, a parte, que havia substituído um de seus patronímicos pelo de seu cônjuge por ocasião do matrimônio, fundamentou a sua pretensão de retomada do nome de solteira, ainda na constância do vínculo conjugal, em virtude do sobrenome adotado ter se tornado o protagonista de seu nome civil em detrimento do sobrenome familiar, o que lhe causa dificuldades de adaptação, bem como no fato de a modificação ter lhe causado problemas psicológicos e emocionais, pois sempre foi socialmente conhecida pelo sobrenome do pai e porque os únicos familiares que ainda carregam o patronímico familiar se encontram em grave situação de saúde.

Dado que as justificativas apresentadas não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações – o sobrenome -, deve ser preservada a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar.

2 – Processo: REsp 1.878.298/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021.

Ramo do Direito: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema: Adoção. Destituição do poder familiar. Guarda provisória. Nome afetivo. Uso administrativo. Informação adicional. Instituições escolares, de saúde, cultura e lazer. Identidade. Perigo de dano. Probabilidade do direito. Trâmites regulares. Tutela antecipada. Cabimento.

Destaque: Presentes os requisitos autorizadores da tutela antecipada, é cabível a inclusão de informações adicionais, para uso administrativo em instituições escolares, de saúde, cultura e lazer, relativas ao nome afetivo do adotando que se encontra sob guarda provisória.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia a definir a possibilidade de deferimento de tutela antecipada para autorizar o uso administrativo, em instituições escolares, de saúde, cultura e lazer, de nome afetivo da criança que se encontra em guarda provisória decorrente de processo de adoção ainda em curso.

Sobre o tema, o art. 47, § 5º, da Lei n. 8.069/1990 prevê o direito à modificação do nome e do prenome do adotando, após a prolação de sentença em processo de adoção, com a respectiva oitiva e consentimento da criança ou adolescente, conforme disposto pelo art. 28, § 2º, do referido diploma legal.

O nome afetivo já utilizado pela família adotiva no convívio decorrente da guarda provisória impacta diretamente a noção de pertencimento social da criança, bem como influi no processo de reconstrução de sua identidade e da dupla parental que se revela mesmo antes da sentença definitiva.

Ao longo da experiência da guarda provisória, os laços afetivos da filiação adotiva já começam a ser tecidos e, caso presentes os requisitos para o deferimento da antecipação de tutela, o uso – nas demais instituições em que a criança convive – do nome já utilizado pelos adotantes no seio familiar tende a, ao menos em tese, facilitar a adaptação e a construção das novas identidades em curso.

No caso, o Tribunal a quo destacou que o processo de adoção e de destituição do poder familiar vem transcorrendo conforme os trâmites legais e há perigo de dano para a identidade da criança que desde os sete meses de vida – quando iniciou a guarda provisória – vem sendo chamada pelo nome afetivo pelos adotantes.

Dessa forma, constatada a presença dos requisitos autorizadores da tutela antecipada e respeitada a escuta da criança e do adolescente nos moldes previstos

3 – Processo: REsp 1.707.014/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021

Ramo do Direito: DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema: Ação de prestação de contas. Interesse de agir do inventariante. Natureza dúplice da demanda. CPC/2015.

Destaque: Na vigência do CPC/2015, remanesce o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas, mantido o caráter dúplice da demanda.

Informações do Inteiro Teor:

A ação de prestação de contas tem por escopo aclarar o resultado da administração de negócios alheios (apuração da existência de saldo credor ou devedor) e, sob a regência do CPC de 1973, ostentava caráter dúplice quanto à sua propositura, podendo ser deduzida tanto por quem tivesse o dever de prestar contas quanto pelo titular do direito de exigi-las.

Nesse contexto, o dever de prestar contas incumbia àquele que administrava bens ou interesses alheios, ao passo que o direito de as exigir cabia àquele em favor do qual os negócios haviam sido geridos. A apuração de saldo credor, em favor de uma das partes, implicava a prolação de sentença condenatória em detrimento do devedor.

Nessa ordem de ideias, pelo novel diploma, a legitimidade ativa para propor a presente ação é apenas daquele que tem seus bens, valores ou interesses administrados por outrem, isto é, por aquele que detém a pretensão de exigir contas (CPC, art. 550). Como se percebe, o referido procedimento especial é voltado tão somente para a ação de exigir contas, ficando a pretensão de dar contas relegada ao procedimento comum.

No entanto, não se pode olvidar que a pretensão de dar contas sempre teve um procedimento mais simples, já que o autor, de plano, reconhecia o seu dever de prestar as contas, limitando-se o seu mérito a desincumbir de tal mister, recebendo a quitação ou vendo declarado eventual saldo credor/devedor em relação a ele.

Importante destacar, ademais, que embora o dever de dar contas seja único e idêntico, o regime jurídico processual da prestação de contas é diverso, a depender se a administração é legal ou contratual, notadamente em razão dos ditames do novo art. 550 do CPC, voltado às obrigações derivadas de um dever negocial de prestá-las (advogado, depositário, administrador de empresa, síndico, dentre outras), e da contrapartida ao art. 553, destinado processualmente às obrigações determinadas pela lei (inventariante, administrador da falência, tutor, curador, dentre outros).

Ademais, assim como consagrado jurisprudencialmente sob a égide do CPC de 1973, o Codex de 2015 explicitou o dever do autor de, na petição inicial, especificar, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem.

São as causas de pedir remota e próxima, as quais devem ser deduzidas, obrigatoriamente, na exordial, a fim de demonstrar a existência de interesse de agir do autor.

Deveras, o inventariante é o administrador e o representante legal do espólio, incumbindo a ele prestar as primeiras e últimas declarações, exibir em cartório os documentos relativos ao espólio, juntar aos autos certidões e documentos, trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluído e requerer a declaração de insolvência (CPC, art. 618). Ainda, ouvidos os interessados e com autorização do juiz, alienar bens, transigir, pagar dívidas e fazer despesas necessárias para conservação e melhoramento dos bens do espólio (CPC, art. 619).

Dentre os deveres do inventariante está – e aqui é importante o destaque -, o dever de “prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe determinar” (CPC, art. 618, VII; CPC/73, art. 991, VII). Portanto, não pode o inventariante encerrar seu mister sem que antes apresente as contas de sua gestão. Com efeito, a atribuição do inventariante é exigência da norma, razão pela qual é obrigado a prestar contas e, por consectário lógico, o seu interesse de agir, para ajuizar a presente ação autônoma de prestação de contas, é presumido.

Não se pode olvidar que, apesar do Código de Processo prever que o incidente de prestação de contas do inventariante deve ser apresentado em apenso aos autos do inventário (CPC, art. 553), pode ocorrer a finalização do processo sucessório sem o acertamento das despesas. Além do mais, como se sabe, o inventariante pode vir, futuramente, a ser civilmente responsável pelos sonegados.

Desse modo, sobressai, nesses casos, o interesse de agir do inventariante na ação de prestação de contas pelo rito especial dos arts. 552 e 553 do CPC/2015 (e não do art. 550 do mesmo código).

Por fim, anote-se que, apesar de não ser um procedimento bifásico, a prestação de contas deve ter mantida o seu caráter dúplice, podendo haver débitos ou créditos a ser liquidados pela sentença.