1 de setembro de 2010

Artigo – Resumo sobre o ISS – Gilson Carlos Sant’Anna

 

 

Gilson Carlos Sant’Anna*

O Supremo Tribunal Federal,no julgamento da ADI nº 3089/DF (13/02/2008),reconheceu a plena constitucionalidade da tributação do ISSQN dos serviços notariais e registrais, afastando a alegação de imunidade.

 

No entanto, a referida ADI não definiu a base de cálculo do ISSQN  que incide sobre os referidos serviços, a qual se opera de duas formas distintas, a saber:

a) fixação de alíquota (sendo a máxima de 5%) incidente sobre o preço do serviço, na forma do artigo 7º, caput, da Lei Complementar nº 116/2003;

 

b) fixação da alíquota fixa ou variável, sem relação com o preço do serviço, quando se tratar de prestação sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, na forma do que dispõe o artigo 9º, §1º, do Decreto-Lei 406/68.

A aplicação de alíquota fixa ou variável, que não incide sobre o preço do ISSQN, é disciplinada no artigo 9º, do Decreto-Lei nº 406/68, que, seguindo a firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, foi recepcionada pela Constituição de 1988[1]. No que concerne à eventual incompatibilidade entre o regime de tributação do Decreto-Lei nº 406/68 e a disciplina normativa geral do ISSQN pela Lei Complementar nº 116/2003, o Superior Tribunal de Justiça já firmou posição no sentido de que a regra do artigo 9º, §1º não foi revogada pela Lei Complementar citada. [2] A doutrina tributarista brasileira segue o mesmo entendimento dos Tribunais Superiores[3].

Diante do exposto, a questão da base de cálculo do ISSQN resume-se em saber se os serviços prestados pelos notários e registradores sob o regime de delegação são considerados ou não prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte.

 

Não há dúvidas de que esses titulares não executam, na prática seu serviço de forma pessoal e individualizada, utilizando-se de toda uma estrutura  organizacional e de pessoal para exercer suas funções legais. Assim, ao menos sob o ponto de vista prático – real, o titular de serviços notariais e registrais “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, na forma do artigo 996 do Código Civil.

No entanto, para se caracterizar os serviços prestados pelos notários e registradores, deve ser levado em consideração não o aspecto concreto e real da estruturação dos serviços para execução de suas atividades, mas sim sua natureza e regulamentação jurídica.

A ordem jurídica brasileira caracteriza a prestação desses serviços como de natureza eminentemente pessoal.  A Constituição Federal em seu artigo 236, ao exigir a realização de concurso público para o ingresso na atividade notarial e registral, já evidencia que sua execução depende de qualidades pessoais da pessoa física que, uma vez aprovada, assumirá a titularidade desses serviços. A Lei Federal nº 8935/94, que regulamenta o artigo 236, ao conceituar os notários e registradores em seu artigo 3º, estabelece que estes são profissionais de direito, dotados de fé pública. Ademais, o gerenciamento e organização dos serviços são de competência exclusiva e privativa de seus titulares, conforme preceitua o artigo 21 da referida Lei. Também deve ser destacado que o artigo 22 da Lei 8935/94 estabelece a responsabilidade individual do notário e do registrador. Nesse sentido, a jurisprudência não admite a legitimidade passiva do cartório para responder aos danos eventualmente causados, afirmando a inexistência de personalidade jurídica dos cartórios extrajudiciais. [4]

 

Dessa forma, o fato dos notários e os registradores se utilizarem de pessoal e de aparelhamento para executar suas funções não retira a regulação jurídica da característica pessoal dos serviços prestados.

 

Ressalte-se, ainda, que os notários e registradores, para fins do Imposto de Renda e demais tributos federais, são considerados como pessoas físicas, na qualidade de profissionais autônomos, o que implica, além de uma alíquota superior às das pessoas jurídicas, a impossibilidade de utilização de certos benefícios fiscais, como é o caso da dedução da depreciação do ativo imobilizado. Assim, aplicar aos notários e registradores a incidência do ISSQN como se empresas fossem, não reconhecendo que os mesmos prestam serviços sob a forma de trabalho pessoal, acarretaria uma anomalia jurídica em conciliável, uma violação flagrante à isonomia tributária, além de impor aos notários e registradores grave injustiça fiscal. Por fim, deve ser destacado que a jurisprudência vem adotando a posição aqui relatada. [5]

 

Diante de tudo que foi exposto, constata-se que notários e registradores devem, no âmbito do ISSQN ser tratados como pessoas físicas que prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal. Sendo assim, a tributação dos serviços notariais e registrais deve ser realizada sob a forma de trabalho pessoal do contribuinte, conforme o disposto no § 1º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68.

 

 

* Titular do 3º Oficio de Distribuição do Rio de Janeiro

 

 

 

 


[1] Cf.nesse sentido os seguintes precedentes: RE nº 236.604-7/PR,relator Min.Carlos Velloso, Pleno, DJ de 06.08.99; RE 228.052-9,Relator Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 01.10.99.

[2] REsp 713752/PB, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 23/05/2006, DJ 18/08/2006, p.371; Resp 1052897/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/04/2009;  Dje 16/04/2009. Resp 858.493/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2008, Dje 05/11/2008.

[3]Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, ‘O ISS e a Lei Complementar nº 116/2003 – Aspecto Relevante’, O ISS e a LC 116, coordenador Valdir de Oliveira Rocha, Dialética, 2003, p. 202;  Kyoshi Harada, ‘Imposto Sobre Serviços. Lei Complementar 116/03. Tributação de Sociedades de Profissionais, p. 620m 1ª edição, Editora Juruá, p. 620,2005; Hugo de Brito Machado, ‘O ISS das Sociedades de Profissionais e a Lei Complementar 116/03, p.229, 1ª edição, Editora Juruá, p. 620, 2005; Fernando Facury Scaff. ‘A Tributação das Sociedades Uniprofissionais mudou com a nova lei complementar do ISS?’ 1ª edição, Editora Juruá, p. 191, 2005.

[4] Resp 443.467/PR, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2005, DJ 01/07/2005 p. 510; Resp 852.770/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/05/2007, DJ 15/05/2007 p.263; Resp 545.613/MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2007, DJ 29/06/2007 p. 630.

[5] TJ/MS – Agravo de Instrumento nº 2009001043-1/0000-00-Corumbá – 1ª Turma Cível – Rel. Des. Joenildo de Souza Chaves – DJ 15.04.2009;TJ/SP – APELAÇÃO Nº 6569345000, Fatura, 15ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Daniella Carla Russo Greco de Lemos, j.07.08.2008; TJ/RS – Reexame Necessário nº 70026974030 – Giruá – 2ª Câmara Cível – Rel. Des. Roque Joaquim Volkweiss  – DJ 30.03.2009; TJ/RJ, RI nº 2004.007.004, Ógão Especial, Relator Des. Marcus Faver, Julgado em 01/12/2008.